O fogo não conhece limites, ignora fronteiras, galga rios e queima o que fica no caminho. Em mais um filme negro tantas vezes visto em Portugal, na terça-feira, 132 de fogos, o registo mais elevado do ano, deram trabalho a milhares de bombeiros durante todo o dia. Segundo dados da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), chegaram a estar no terreno 4024 operacionais, apoiados por mais de 1200 viaturas e 40 meios aéreos.
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O fogo que deflagrou anteontem em Arouca galgou o rio Paiva e atravessou a fronteira concelhia para Castelo de Paiva, deixando várias localidades em perigo, habitações em risco e corações em mãos trémulas. Ao fim da tarde, segundo o presidente da autarquia paivense, o incêndio estava fora de controlo, com várias frentes ativas. "Temos tido alguns reacendimentos, o que vai criando novas frentes e dificulta a acção dos Bombeiros", explicou José Rocha.
Palavras de apreensão confirmadas pelo comandante nacional de Emergência e Proteção Civil, Mário Silvestre. "O fogo de Arouca é o mais preocupante", disse, numa comunicação ao país, às 19 horas. "O vento empurra as chamas para as localidades de Arouca e Castelo de Paiva", acrescentou. Nespereira também não estava fora de perigo.
O incêndio, que deflarou ontem em Arouca e passou para Castelo de Paiva mobilizava, ao fim da tarde, 722 operacionais, 246 viatudas e sete meios aéreos. Durante o dia, segundo dados do Portal da ANEPC, chegaram a estar em atividade 4024 operacioanis, 1200 viaturas e 40 meios aéreos.
Outro foco preocupante para a Proteção Civil era o incêndio do Lindoso, no Alto Minho. à hora de almoço parecia controlado, mas "a mudança do vento" abriu um novo quadrante com as chamas a progredirem em direção à serra Amarela.
Mário Silvestre falou ainda das dificuldades durante o dia com os fogos em Penamacor e de Nisa, que motivou a evacuação da aldeia de Pé da Serra, esperando uma evolução favorável durante a noite. Na Beira Baixa, o fogo em Aranhas, consumiu 2953 hectares, medidos às 18 horas. A mudança do vento para nordeste com aumento de intensidade dificultou o trabalho dos bombeiros.
Dados do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), desde o início do ano ardera mais de 22 mil hectares, cinco vezes mais do que no mesmo período em 2024, em mais de 4400 ocorrências.
Foto: Pedro Correia
Ignições noturnas
No balanço feito às 19 horas, Mário Silvestre disse que 20 pessoas foram assistidas pelos meios de socorro no combate aos fogos: 14 bombeiros, um GNR, dois elementos da Afocelca, e três civis. Citando dados da Guarda, o comandante nacional de Emergência disse que "as atividades agrícolas têm causado um número de elevado de ocorrências", recomendando que se evitem fazer este tipo de trabalhos. Esta pode ser uma das razões para as ignições noturnas, um período que para a Proteção Civil vai entre as 20 horas de um dia, ainda com luz solar, e as oito da manhã do seguinte, já dia claro.
Somados os 124 incêndios de segunda-feira, em dois dias a Proteção Civil registou 256 fogos. Destes, 175 tinham sido contabilizados entre o início de segunda-feira e as 11 horas de ontem, e quase metade, 88, foram ocorrências noturnas, informou a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), em conferência de imprensa.
As ignições noturnas não são uma novidade em Portugal. Em 2024, no período negro dos incêndios, entre 15 e 21 de setembro, registaram-se 124 ignições noturnas entre as 20 horas do dia 16 e as sete horas do dia 17.
Polémica dos meios aéreos
Ques sobre as declarações da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, que ao início da tarde considerou irrelevante o número de meios aéreos de combate a incêndios, uma vez que o que está a causar "dificuldade aos operacionais" nos fogos em curso são as características do terreno, o comandante nacional de Proteção Civil evitou a polémica e dissse que é preciso "uma complementaridade de recursos" para atacar os fogos.
"Os meios aéreos "per se" não resolvem incêndios, assim como os meios terrestres precisam da capacidade aérea para poderem progredir no terreno e poderem fazer essas intervenções", disse Mário Silvestre. "O meio aéreo permite dar o intervalo de tempo necessário, por exemplo, retardando o incêndio, para que depois as forças terrestres possam atuar", acrescentou.
Questionado ainda sobre os apelos de autarcas das regiões afetadas pelos incêndios para que sejam empregues meios aéreos pesados, o comandante nacional considerou que "faz sentido" o pedido. "Obviamente que sim, porque são eles que vão dar as condições para que depois as forças terrestres possam entrar dentro do terreno, ou seja, possam na realidade ter capacidade para poder entrar com os meios terrestres e fazer esta extinção", defendeu.