António Costa vai manter-se no limbo pelo menos durante mais dez dias. A escolha do antigo primeiro-ministro para a presidência do Conselho Europeu não depende apenas da vontade pragmática de Luís Montenegro. Está condicionada à discussão sobre os quatro lugares mais importantes dos próximos cinco anos em Bruxelas.
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Os outros cargos maiores são a presidência da Comissão Europeia (com a alemã Ursula von der Leyen à procura da reeleição), a chefia dos Negócios Estrangeiros (a favorita a suceder ao espanhol Josep Borrell é a primeira-ministra da Estónia Kaja Kallas) e a liderança do Parlamento Europeu (a maltesa Roberta Metsola também pretende renovar o mandato e até já formalizou a candidatura).
Um dos melhores exemplos das diferentes camadas em que se decide este xadrez político é a foto que encabeça a notícia do jornal El País sobre a cimeira informal de segunda-feira: à volta de uma mesa bastante exclusiva estiveram Pedro Sanchéz (Espanha) e Olaf Scholz (Alemanha), em representação da família socialista (onde se inclui o PS); Donald Tusk (Polónia), Mitsotakis (Grévia) e Plenkovic (Croácia), em nome do Partido Popular Europeu (PPE, onde estão PSD e CDS); e Emmanuel Macron (França), pela família liberal (onde tem assento a IL).
Ainda antes dos nomes, os políticos europeus têm como adquirido que os quatro principais cargos são distribuídos em função da força eleitoral de cada uma das famílias políticas. Mas só as três da “grande coligação” ao centro têm direito ao seu pedaço de poder, como demonstra a reunião daquela espécie de “politburo”, longe da mesa onde se sentaram os chefes de Estado e de Governo dos 27 países da UE.
PPE quer mais poder
Também antes dos nomes, é preciso ter em conta que o equilíbrio entre estas três famílias políticas se alterou: o PPE foi o único que saiu reforçado das eleições para o Parlamento Europeu (de 176 para 190 deputados), enquanto socialistas e, em particular os liberais, saíram fragilizados. Em particular os que representam o eixo franco-alemão: o liberal Macron teve menos de metade dos votos do que a direita radical de Le Pen, e até já marcou eleições nacionais antecipadas; o social-democrata Scholz ficou em terceiro nas europeias, atrás da CDU (centro-direita) e da extrema-direita da AfD (mas recusa antecipar eleições).
Assim, e ao contrário do que se chegou a titular em Portugal, um jantar não foi naturalmente suficiente para entronizar António Costa como presidente do Conselho Europeu (o órgão mais importante da UE, uma vez que as decisões fundamentais passam sempre por este plenário intergovernamental). E uma das razões para o impasse foi o facto do PPE exigir agora poder reforçado: para além de pretender manter um dos seus na presidência da Comissão (Ursula von der Leyen), e outro na do Parlamento Europeu (Roberta Metsola), quer partir a meio o mandato no Conselho, dois anos e meio para os socialistas (e portanto Costa), e os outros dois anos e meio para um político do centro-direita, rompendo com a tradição de manter o mesmo personagem durante os cinco anos do ciclo político europeu.
E é assim que deve ser entendida a questão dos “problemas judiciais” de António Costa, que Donald Tusk levantou de forma clara. Sabe bem o primeiro-ministro polaco que o seu colega de “bancada” Luís Montenegro, também quer Costa no Conselho Europeu. E que isso é um sinal claro de que na verdade não existem “problemas judiciais”. Aliás, quando foi preciso encontrar explicações para arrastar a discussão, não foi Costa a única “vítima”.
Von der Leyen vai a exame
Várias vozes condicionaram o seu apoio à reeleição de Ursula von der Leyen ao programa que se propõe executar nos próximos cinco anos (e tão importante, embora nunca admitido, com que comissários e com que pelouros para cada país). Sendo certo que, ao contrário dos restantes, a alemã ainda terá de passar pela prova de fogo do Parlamento Europeu: precisa de 361 votos dos 720 deputados em Estrasburgo (há cinco anos, foi escolhida com a escassa margem de nove votos, uma vez que não há “disciplina de voto” e as dissidências dentro dos vários grupos parlamentares são comuns).
Da mesma forma que houve quem destacasse, durante a reunião dos líderes europeus, que é preciso conhecer melhor o que pensa Kaja Kallas, a atual primeira-ministra da Estónia, sobre questões de política externa, para lá da sua conhecida posição no que diz respeito à guerra na Ucrânia e à invasão da Rússia, antes de a consagrar como a representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros.
Meloni entra nas contas
Um outro dado que é preciso ter em conta neste puzzle, é que o novo equilíbrio político já não se limita às três grandes famílias do centro. Ao contrário de Macron (liberais) e de Scholz (socialistas), das europeias emergiu como vencedora Giorgia Meloni, cujo partido, os Irmãos de Itália, integra a bancada dos Conservadores e Reformistas (ECR), um dos dois grupos que reúne os partidos da direita radical populista. E a primeira-ministra italiana terá sido bem clara no seu desagrado por ter sido deixada de fora da mesa dos “grandes”.
Meloni queria que a discussão se iniciasse com as leituras políticas que é preciso retirar das eleições (com um crescimento assinalável dos partidos mais à direita e eurocéticos), e só depois discutir quem tem direito a quê na hierarquia europeia. Sendo certo que a italiana poderá sempre contar com o apoio de Viktor Órban, o nacionalista que lidera a Hungria, que também venceu no seu país, que não esconde a vontade de juntar os seus deputados ao ECR e que se despediu de Bruxelas lamentando que “a vontade do povo europeu” tenha sido “ignorada” nesta primeira cimeira de um novo tempo.