Setor teme ruína de muitas empresas após três meses de inatividade. Exames e cartas em risco de engarrafamento. Centenas de postos de trabalho em causa.
Corpo do artigo
As escolas de condução contavam antecipar a reabertura do setor para o início desta semana, mas a última determinação do Governo devolveu tudo à primeira forma e o recomeço da atividade fica, se houver condições disso, para o próximo dia 19, como estava marcado desde a anterior declaração do estado de emergência. Nessa altura, fará então mais de três meses que a formação rodoviária aguenta em ponto-morto. Uma espera angustiante, que pode ser o fim de muitas empresas e o congestionamento de milhares de candidatos, impossibilitados de testes de código e práticos em decurso normal e, ainda por cima, sem reembolso.
A declaração de insolvência de "A Desportiva" - seis escolas encerradas, em dezembro último, e quase mil alunos na rua [ver peça ao lado] - será só a ponta do iceberg. E se a conjuntura já não era nada favorável, na sucessão da crise financeira, a covid-19 e o confinamento asfixiam o setor, que, antes da pandemia, gerava um volume de negócios de 150 milhões de euros.
"Perdemos 50 milhões de receitas, das quais dependem diretamente cinco mil famílias", observa Fernando Santos, presidente da Associação Nacional dos Industriais do Ensino de Condução Automóvel (ANIECA).
"Há escolas que não vão ter possibilidade de sobreviver. Como se sabe, já houve um grupo que faliu recentemente e que deixou dependurados e sem dinheiro quase mil candidatos. Provavelmente, isso vai acontecer a mais gente. Espero que isso não aconteça, mas temo essa situação, porque não estamos a ser devidamente ajudados pelo Estado. O setor está completamente paralisado, sem qualquer receita, e as despesas mantêm-se. É o aluguer, a luz, a água, as comunicações, os seguros, a manutenção dos carros e os salários dos funcionários, que o Estado manda para casa, mas a quem não paga a totalidade dos ordenados. O lay-off não chega. Isto é completamente incomportável. É que nós nem podemos ter takeaway. A nossa faturação é zero", queixa-se o dirigente da ANIECA.
O setor reclama mais apoios do Estado e lamenta a insuficiência de medidas como o lay-off ou o programa Apoiar. Em 2020, cerca de 75% dos estabelecimentos viram a suas receitas cair acentuadamente, mas 42% deles registaram quebras entre os 18% e 24%, o que os impossibilitou de se candidatarem ao programa APOIAR e à flexibilização dos pagamentos fiscais. "O IVA e o IRS foram diferidos, mas isso não resolve nada. É empurrar com a barriga para a frente. Outras empresas não tiveram acesso ao lay-off, porque têm dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária. E isso de não pagar impostos também cria concorrência altamente desleal, muito lesiva para o setor", acrescenta Fernando Santos.
Os industriais admitem, contudo, que a crise também tem raízes anteriores à pandemia. Pedem, sobretudo, mais regulação e denunciam o advento dos operadores low-cost, acusados de nivelarem o mercado muito por baixo. "Muita da concorrência desleal surge com o ensino a preços de baixo custo. É impossível que possa servir bem os clientes", conclui o dirigente da ANIECA.
Detalhes
Interesse público
Segundo a ANIECA, antes da pandemia do novo coronavírus, o setor da formação rodoviária gerava um volume de negócios de 150 milhões de euros e gerava cinco mil postos de trabalho diretos. Os industrias pedem o reconhecimento do interesse público da atividade.
Exames abertos
As escolas receberam ordem de fecho a 15 de janeiro, mas o Governo também determinou que os centros de exame de condução permanecessem em funcionamento, para que testassem os candidatos que concluíram até 14 de janeiro a formação obrigatória (32 horas de condução/500 quilómetros de prática requeridas para acesso ao exame da categoria B, que habilita à condução de automóveis).
Cartas online
Os títulos que habilitam para a condução existem em Portugal desde 1910. São fabricados desde os anos 1960 pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, que emite todos os anos entre 800 mil e 900 mil cartas de condução, 100 mil das quais novos títulos (o resto são renovações). Desde de 2017, mais de 400 mil foram emitidas online. Em 2020, acentuou-se a tendência: mais de 200 mil títulos foram emitidos através do sistema online.
100 mil à espera
Segundo a ANIECA, à data do fecho dos estabelecimentos de educação rodoviária, a 15 de janeiro, havia 100 mil alunos inscritos em aulas de código e outros 28 mil à espera de exame de condução.
1400 escolas
O Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres regista e regula a atividade de 1400 estabelecimentos de educação rodoviária, no continente e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.