Oxfam acusa indústria de "usar táticas sujas", beneficiar do investimento público e fugir aos impostos, colocando o dinheiro em paraísos fiscais.
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A pandemia de covid-19 criou, nos dois últimos anos, mais 40 multimilionários na área farmacêutica, sendo que os gigantes do setor estão a lucrar 932 euros por segundo só na venda de vacinas, cobrando aos governos "24 vezes mais do que custaria se fossem produzidas como genérico", revela um relatório apresentado ontem pela organização não-governamental Oxfam, em Davos, na Suíça, onde estão reunidos políticos e empresários para o Fórum Económico Mundial.
A Oxfam indica que os novos bilionários da indústria farmacêutica estão a "lucrar de monopólios nas vacinas, tratamentos, testes e equipamento pessoal de proteção", acrescentando que a grande parte desta fortuna "está a ser feita também graças ao investimento público de milhares de milhões" de muitos governos, principalmente na área da investigação. O relatório, com o nome "Lucrar com a dor [Profiting from pain]", refere também que as empresas do setor farmacêutico "têm-se repetidamente esquivado das suas responsabilidades ao nível dos impostos em todo o Mundo, usando os paraísos fiscais e outras práticas fiscais agressivas".
Dinheiro público
A Oxfam International é uma confederação de 19 organizações e mais de três mil parceiros, que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações de emergência. A sua primeira filial internacional foi fundada em Oxford, em Inglaterra, em 1942. A organização mudou o nome para o seu endereço telegráfico, Oxfam, em 1965.
A organização não-governamental dá o exemplo da farmacêutica Moderna, que "conseguiu uma margem de lucro de 70% antes de impostos". Ou seja, para a Oxfam, a Moderna "foi imensamente bem-sucedida na conversão de financiamento público em riqueza privada, transformando 10 mil milhões de dólares (9,3 mil milhões de euros) dados pelo Governo dos Estados Unidos em cerca de 12 mil milhões de dólares de lucros em vacinas até ao momento".
A empresa criou "quatro novos bilionários de vacinas que valem 10 mil milhões, enquanto apenas 1% do seu suprimento total foi para os países mais pobres". A Oxfam acusa a farmacêutica de se recusar por completo em ajudar fabricantes na África do Sul a desenvolver uma vacina baseada na Moderna (mRNA) como parte de uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde para estabelecer uma fabricação local sustentável em países em vias de desenvolvimento. "A cooperação da Moderna pode reduzir o tempo de aprovação desta vacina em pelo menos um ano, ajudando a salvar vidas", frisa.
A Pfizer também não escapa às críticas, sendo acusada de "usar táticas sujas para aumentar os seus lucros, incluindo o financiamento de desinformação sobre a sua vacina", insistindo em cláusulas nos contratos que servem "para silenciar críticos, exigindo ativos estatais como garantia e controlando datas de entrega". Para a Oxfam, as vacinas "devem ser um bem público, e qualquer país que queira produzir uma vacina deve ser autorizado a fazê-lo", sendo que há mais de 100 nações a pedir que as regras de propriedade intelectual sejam levantadas.
Muito para celebrar
Segundo o relatório, os bilionários que estão reunidos em Davos após dois anos de interrupção devido à covid "têm muito para celebrar", porque durante a pandemia "a sua riqueza atingiu valores sem precedentes". E a covid, "que encheu de tristeza e perturbação a maior parte da humanidade, foi um dos melhores momentos da história para a classe dos multimilionários".
O documento mostra como os multimilionários e as multinacionais nos setores de alimentos, energia, farmacêutico e tecnologia estão a recolher enormes lucros, ao mesmo tempo que o aumento do custo de vida está a prejudicar tantos em todo o Mundo.
A Oxfam pede, por isso, aos governos que tomem urgentemente medidas para conter esta situação com um aumento à tributação da riqueza e dos lucros inesperados das empresas e usar esse dinheiro para proteger as pessoas.
Taxar ainda mais os ricos
A Oxfam quer que os governos mostrem vontade para executar uma série de medidas para taxar os bilionários que nasceram com a pandemia e os que estão a nascer com as consequências da guerra na Ucrânia de modo a reduzir a desigualdade. A medida mais premente é a taxação de lucros inesperados, principalmente na área da energia, e ainda impostos mais duros aos bilionários, com taxação nos paraísos fiscais ou com legislação apertada para controlar as offshores.
À lupa
Preços a subir
Os preços do setor alimentar aumentaram 33,6% no ano passado e espera-se que este ano cheguem aos 23%. A Oxfam estima que mais de 263 milhões de pessoas sejam puxadas para níveis extremos de pobreza em todo o Mundo.
Bilionários na alimentação
Há mais 62 multimilionários no setor alimentar, sendo que a riqueza cresceu 382 mil milhões de dólares nos últimos dois anos.
Petrolíferas em alta
Os lucros das petrolíferas e de outras empresas de energia duplicaram durante a pandemia e estão para durar com a guerra na Ucrânia. Os preços do crude subiram 53% num ano e o gás natural 148%, a maior subida desde 1973.