Covid-19 provocou "impacto financeiro" de 13 mil milhões de euros nos cofres do Estado
O Tribunal de Contas declarou, esta segunda-feira, que o Governo e a Administração Pública apresentaram "maleabilidade suficiente" para combater a pandemia de covid-19. Ainda assim, o organismo aponta falhas em algumas áreas e recomendou planos para o Estado se antecipar a "novos incidentes graves ou catástrofes".
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O Tribunal de Contas (TdC) estima que as medidas em Portugal para fazer face à emergência médica da covid-19 e aos seus efeitos em várias áreas "tenham tido um impacto financeiro nas contas públicas de, pelo menos", 12,7 mil milhões de euros, entre 2020 e 2023. É preciso ter em conta que, durante o período da pandemia, e ainda hoje com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), os Estados-membros da União Europeia receberam e continuam a receber ajudas financeiras para mitigar as perdas financeiras com a covid-19. No total, Portugal vai receber cerca de 22,2 mil milhões de euros do PRR.
Num relatório divulgado esta segunda-feira, denominado por "Gestão da crise pandémica de covid-19 – Síntese das ações de controlo e lições para o futuro", o organismo detalha terem sido verificadas "limitações no processo de contabilização". Por exemplo, o TdC defende que os "planos de contingência foram adequados à gestão da emergência médica". No entanto, salienta que "a sua execução produziu efeitos negativos na restante atividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e no acesso ao mesmo".
O TdC condensa, esta segunda-feira, uma série de análises que foi fazendo ao longo dos últimos anos por causa da pandemia de covid-19. É neste último relatório que o organismo lança recomendações para que o Estado e o Governo possam prevenir e melhor atuar no futuro, caso aconteça algo semelhante ou com uma magnitude idêntica à do coronavírus.
"As boas práticas apontam para a existência prévia de planos para acorrer a contingências futuras, incluindo incidentes graves e catástrofes, num trabalho fundamental de antecipação por parte dos governos e das organizações e estruturas públicas, que permita guiar a ação das várias entidades envolvidas na resposta à crise", referiram.
Eficácia dos programas foi colocada em causa
É ainda aconselhada a aplicação de mecanismos que possam controlar a transparência dos processos, sejam eles de apoios ou de contratação. O TdC diz ainda ser importante a "completude e fiabilidade da informação acumulada sobre a despesa pública realizada", assim como o aperfeiçoamento dos sistemas digitais. Em alguns casos, lê-se no relatório, verificaram-se "problemas que prejudicaram a eficácia dos programas", nomeadamente no "suporte ao rastreio e vigilância epidemiológica, no programa IVaucher, no lay-off simplificado e no apoio às estruturas residenciais para idosos".
No caso do lay-off, que se caracteriza pela redução temporária dos horários de trabalho ou pela suspensão dos contratos de trabalho, determinada por vários motivos, a informação disponível não permitiu saber qual a abrangência dos apoios aos trabalhadores e às respetivas empresas. Também os procedimentos de controlo "foram aligeirados", aponta o TdC no documento divulgado esta segunda-feira.
Nas estruturas residenciais para idosos, também a monitorização dos programas criados propositadamente por causa da pandemia falhou e comprometeu a operacionalização dos apoios.
Desperdício de vacinas chegou aos 11%
O TdC diz que a recuperação da atividade não realizada no SNS "justificaria a criação extraordinária de incentivos específicos no sistema de financiamento" do serviço público de saúde. Face a 2019, aponta o TdC, houve mais 71 dias de tempo de espera para consultas e mais 41 dias de tempo de espera para cirurgias. Assistiu-se ainda à "tendência de degradação nos tempos de acesso à cirurgia oncológica" e notaram-se "assimetrias regionais" neste tipo de cuidados de saúde.
No que toca às vacinas contra a covid-19, entre fevereiro de 2020 e março de 2022, foram encomendadas 61,2 milhões de doses, num total de 359 milhões de despesa realizada. Contudo, no final de 2022, "a taxa de desperdício estimada foi de 11,2%, correspondente a 3,5 milhões de doses inutilizadas e a perdas potenciais de aproximadamente 54,5 milhões de euros". O organismo revela que parte do desperdício pode ter acontecido por causa da "aquisição por excesso promovida pelo mecanismo europeu centralizado, como cobertura do risco de escassez".
A compra de ventiladores, usados para auxiliar a respiração dos doentes com infeções respiratórias graves, foi também alvo da atenção do TdC. O organismo aponta que o Ministério da Saúde não tinha "informação clara e sistematizada sobre a capacidade instalada de ventiladores invasivos no SNS ou no sistema de saúde". Ainda assim, o Governo decidiu que o objetivo era duplicar a capacidade instalada destes dispositivos.
Fragilidades expostos no ensino
Entre março de 2020 e março de 2021, "houve um reforço de 1525 ventiladores invasivos nas unidades hospitalares do SNS": 1169 foram comprados, 192 foram doados, 149 foram recuperados e 15 foram emprestados. "A escassez de equipamentos no mercado, a urgência na sua aquisição e a simplificação excecional dos procedimentos de contratação pública, aumentaram os riscos para as entidades compradoras", refere o Tribunal de Contas no relatório.
O organismo atenta que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) incorreu em perdas de 141 mil euros e poderá ter "perdas potenciais" de 10,4 milhões de euros, "associadas à resolução de contratos, a pagamentos antecipados ainda não repostos (5,3 milhões de euros) e a problemas técnicos, não ultrapassáveis, identificados em 142 dos equipamentos adquiridos (5,1 milhões de euros)".
Na testagem e no rastreio de contactos devido à covid-19, foram realizados 37,9 milhões de testes de diagnóstico, sendo que 28,1 milhões foram feitos por prestadores privados. No total, a despesa faturada ao SNS ascendeu aos 539 milhões de euros e houve mais 153 milhões de euros "de despesa pública acrescida em resultado do processo de fixação dos preços dos testes pelo Ministério da Saúde".
Também no ensino à distância, decorrente da suspensão das aulas presenciais, o TdC evidenciou que "havia alunos e professores com carências em competências digitais, sem computadores e com dificuldades no acesso à Internet e que existiam escolas com meios digitais obsoletos". O processo, diz o TdC, "expôs as fragilidades existentes" no ensino, nomeadamente para os alunos mais fragilizados, com necessidades especiais ou em situação de risco.