Os espaços de trabalho partilhados nas cidades vão apalpando caminho antes desconhecido passada que está a avalancha inicial provocada pela pandemia de covid-19. Obrigados a encerrar temporariamente, tentam recuperar clientes de sempre e ganham hábitos que não conheciam.
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O prédio é antigo, instalado em plena Muralha Fernandina, no Centro Histórico do Porto. Passada a porta de entrada, é obrigatório mergulhar as mãos em gel desinfetante antes de desfilar pelos olhos um pequeno hall que é também garagem improvisada de meia dúzia de bicicletas, elétricas e convencionais. Longa escadaria de madeira robusta conduz depois a uma sala ampla, que serve de boas-vindas a outras duas. Numa delas, há mesas separadas de lotação limitada - onde dantes era possível juntarem-se oito pessoas, agora só podem estar quatro. Na outra sala, há uma infinidade de secretárias individuais divididas por acrílicos de proteção. Quem as utiliza fica responsável por desinfetá-las na hora de ir embora. Todos de máscara, regras escritas afixadas em vários pontos das enormes paredes, pontos de ventilação multiplicados, reuniões presenciais com elementos externos expressamente proibidas, prioridade para serviços virtuais sempre que possível. O lema, também adaptado por outros espaços idênticos é claro: "Stay Social, Cowork Safe".
Têm sido assim os dias do Typographia Cowork, no Campo dos Mártires da Pátria, nas imediações da Cadeia da Relação, hoje Centro Português de Fotografia. Inaugurado em dezembro de 2015 das ruínas de uma antiga tipografia pelas mãos de Jerónimo Botelho e Beatriz Silva, 41 e 27 anos, respetivamente, os tempos do pós-pandemia de covid-19, os tais tempos que alguns convencionaram chamar de "nova normalidade", obrigaram a alterar rotinas e a pensar em primeiro lugar na segurança sanitária. Isto sem alterar o conceito original, o de permitir que numa área comum, dezenas de pessoas possam ter oportunidade de fixar o posto de trabalho, seja qual for a área de atividade. "Estamos ainda em fase de adaptação. Tem sido um processo gradual, mas é uma necessidade que tentámos que não chocasse com os nossos princípios de atividade, tendo sempre em conta que a segurança das pessoas que aqui trabalham está primeiro", explica Jerónimo Botelho.
Ainda estamos com 60% da ocupação anterior à pandemia. Quando reabrimos não passava dos 25%
Encerrado de meados de março a meados de maio, o Typographia Cowork tem visto os habituais clientes regressarem gradualmente. "Mesmo assim, ainda estamos com 60% da ocupação anterior à pandemia. Quando reabrimos não passava dos 25%", analisa Beatriz Silva. Entre fixos e nómadas, há 28 lugares disponíveis para quem deles desejar fazer local de trabalho. "Os estrangeiros, que dantes eram comuns, sobretudo temporariamente, os tais nómadas, é que desapareceram praticamente por completo", completa, por seu lado, Jerónimo Botelho.
O pessimismo, esse, é conceito que não passa pela porta de entrada. Pelo contrário, para a dupla responsável pelo Typographia, a pandemia não só veio reforçar a necessidade e utilidade dos pontos de coworking como abriu horizontes que podem antecipar um futuro risonho.
"O teletrabalho a que muitas empresas foram obrigadas a recorrer veio dizer-lhes que, afinal, não há necessidade de juntar tantas pessoas num ponto fixo, apenas as essenciais. É a velha história do e-mail que pode perfeitamente substituir-se a muitas reuniões. O mercado está a mudar e as consequências da pandemia demonstraram isso", afirmam.
Incentivos a caminho
As necessidades deste mercado em expansão foram atendidas pelo Governo no Plano de Estabilização Económica e Social lançado em junho para mitigar os efeitos negativos da pandemia na economia. O programa prevê um incentivo de 20 milhões de euros para empreendedores que pretendam criar espaços de coworking, em particular no interior do país. O objetivo, considera o Executivo liderado por António Costa, é permitir que o teletrabalho seja cada vez mais uma opção num regime que "combata o isolamento e a desmotivação" laboral.
"Prevê-se que a implementação destes espaços tenha elevado potencial de captação dos novos nómadas digitais e de millennials, além de fomentarem a partilha de experiências e ideias", considerou o Governo. Além desta medida, as empresas do litoral que criem postos de trabalho no interior no mesmo regime poderão receber até 219 euros por pessoa.
O certo é que no pós-desconfinamento o mercado do coworking tem reagido em alta. No Porto, por exemplo, a emblemática loja Marques Soares lançou em junho o espaço de escritórios partilhados SizeCowork, com capacidade para 100 pessoas.
As janelas estão sempre abertas, as mesas mantêm a distância necessária e é feita limpeza três vezes por dia
Em Lisboa, a Avila Spaces, proprietária de duas salas de trabalho partilhado, anunciou ter sido sondada por várias empresas interessadas em colocar lá trabalhadores. E em Peniche foi inaugurado, no passado dia 1, um novo espaço de coworking do grupo Selina, que possui instalações noutros cinco pontos no país.
Neste e nos restantes espaços é obrigatório seguir regras de segurança, que podem variar de local para local. No Synergy, no Porto, quem entra tem de retirar o calçado, mas não está obrigado a utilizar máscara, desde que respeite a distância social, "uma das exigências obrigatórias", como reforça o casal Hélder Vilares e Inês Petiz, ambos com 34 anos, responsável pela empresa. Nos três pisos estão limitadas as reuniões presenciais, mas mantêm-se iniciativas anteriores que juntavam dezenas de pessoas em salas comuns, agora realizadas virtualmente. "As janelas estão sempre abertas, as mesas mantêm a distância necessária para que proporcionem a devida segurança e é feita limpeza três vezes por dia", descrevem Hélder e Inês. Há ainda uma sala de isolamento devidamente preparada para o caso de alguém apresentar sintomas de covid-19. "Até agora, não foi usada, esperemos que nunca venha a ser", dizem.
Mesmo com tantas alterações, os responsáveis de Synergy orgulham-se que o conceito permaneça intacto: "os nossos coworkers dizem que somos família."