Instituições aguardam regulamentação. Governo promete ouvir setor. Medida abrange crianças que entrem no primeiro ano.
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A partir de dia 1 de setembro, por decisão unânime do Parlamento, "todas as crianças que ingressem no primeiro ano de creche", em instituições do setor solidário com acordos de cooperação, não devem pagar mensalidade. A medida está prevista na lei mas as instituições, em fase de matrículas, desconhecem o que terão de fazer e o que dizer aos pais.
As dúvidas quanto à execução são inúmeras. Desde logo, começa por apontar Filomena Bordalo, se será para as crianças até um ano ou para todas as que entram em setembro pela primeira vez numa creche, independentemente da idade. Depois, frisa, nem todos os lugares em creches do setor social são financiados pelos acordos de cooperação. E, sendo assim, questiona a dirigente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), "a medida é para todas as crianças que tenham lugar nesses estabelecimentos ou só para os abrangidos pelo acordo? E os que ficam nas vagas extra, da mesma instituição e nas mesmas condições, têm de pagar mensalidade?". "Não há dia em que não se receba mail de uma instituição aflita com dúvidas. As famílias estão a fazer as inscrições à mesma para assegurarem vaga, mas o que é correto é que tenham a informação completa quanto à mensalidade, e nós não sabemos", lamenta a responsável. A CNIS aguarda desde janeiro esclarecimentos do Instituto da Segurança Social.
"Concordamos com o princípio da gratuitidade mas precisamos de saber como vamos gerir as instituições e pagar salários. Como é que o Estado vai fazer? Qual será o valor da comparticipação? É para todos ou só para os abrangidos pelo acordo? E como fazemos com os das outras vagas? Temos urgência porque os pais querem saber", insiste Manuel Lemos. O presidente da União das Misericórdias Portuguesas aguarda a regulamentação da lei.
dois apoios em simultâneo
Para 48 mil crianças abrangidas pelo 1.º e 2.º escalões, as creches já são gratuitas desde 2020. O apoio a estas famílias é outra preocupação, explica Filomena Bordalo. "Os dois modelos vão coexistir? Se a gratuitidade for para as crianças que entram pela primeira vez, como será com estas que já frequentam a creche? Perdem a gratuitidade?", questiona.
Interpelado pelo JN sobre as dúvidas das instituições, o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social esclarece que a gratuitidade vai abranger as crianças "que ingressam no primeiro ano de creche" e "cumulativamente as crianças que estejam no 1.º e 2.º escalões de comparticipação familiar, independentemente do ano que frequentam". Sobre as vagas extra não abrangidas pelos acordos, o ministério não esclareceu mas garantiu que o diploma, que entra em vigor a 1 de setembro, terá de ser regulamento "em articulação com as organizações representativas do setor social e solidário".
A lei que prevê o alargamento da gratuitidade foi publicada em janeiro. O diploma prevê o alargamento da gratuitidade a todas as crianças até 2024 em creches com acordo cooperativo. O Orçamento do Estado para 2022 prevê o reforço de 16 milhões de euros para a medida. O Governo promete criar 20 mil novos lugares em creche e a modernização de outros 18 mil durante esta legislatura.
Radiografia
Mais de metade das crianças sem lugar na rede
De acordo com o relatório Carta Social 2020, a taxa de cobertura média das creches, no continente, é de 48,8% O que significa que as famílias de mais de metade das crianças têm de encontrar alternativa. Os distritos do Porto, Lisboa e Setúbal são os que têm as taxas de cobertura mais baixas no país: respetivamente, 35%, 44% e 45%. A presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular defende que face à insuficiência da rede para garantir a gratuitidade a todos, "o apoio devia ser para as famílias e não para as instituições". Isto é: a medida devia ser aplicada independentemente do proprietário do estabelecimento. Até porque, acredita Susana Batista, exigiria menos investimento do que a construção de novas creches. O PAN entregou no Parlamento uma proposta de alteração ao OE que defende que no caso de a família não ter oferta ou vaga em creches da rede cooperativa, "seja criado um mecanismo de comparticipação dos custos de inscrição e frequência para as crianças que ingressem em estabelecimentos de natureza privada ou particular a partir de 2022".
À lupa
Concelhos sem creche
De acordo com a Carta Social 2020, há três concelhos - Sardoal, Alvito e Mourão - sem oferta de creche. Quase metade dos concelhos do continente (133) tinham quatro ou mais creches.
PCP e PAN propõem rede pública
No âmbito das propostas de alteração ao Orçamento, tanto PCP como PAN já entregaram iniciativas que defendem a criação de uma rede pública de creches. Os comunistas voltam a propor a gratuitidade para todas as crianças até 2023 e a mais 100 mil novos lugares. O PAN sugere que a rede seja criada em articulação com as autarquias.