A investigadora e líder do projeto "IoGeneration" que há um ano revelou que um terço das crianças portuguesas apresentava níveis insuficientes de iodo, podendo assim comprometer o seu desenvolvimento cognitivo, lamenta que nada tenha sido feito desde então.
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"Um ano depois de o alerta ter sido dado, pouco ou nada se avançou em termos de políticas de saúde", afirmou a investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis).
29% dos rapazes e 34% das raparigas entre os 6 e os 12 anos sofrem de carência de iodo
Desenvolvido entre o final de 2015 e abril de 2016, o projeto "IoGeneration" permitiu analisar mais de 2000 crianças portuguesas, de 83 escolas do Norte de Portugal. Os resultados preliminares revelaram-se tão preocupantes que a equipa de investigação deu o alerta logo em março de 2016.
"Ficámos alarmados após analisarmos os dados preliminares, que já indicavam que mais de um terço das crianças teria níveis deficientes de iodo. Sabendo que a falta deste nutriente pode comprometer o coeficiente de inteligência (QI) em 15 pontos, sentimos a obrigação de alertar os decisores políticos e a sociedade o quanto antes", explicou Conceição Calhau, que atualmente é também professora da Nova Medical School, em Lisboa.
Os resultados finais, publicados agora na revista científica internacional "Nutrients", atestam que a equipa de investigação liderada pela especialista em Nutrição, do Cintesis, não se precipitou quando decidiu dar o alerta.
"Os dados finais mostram que 29% dos rapazes e 34% das raparigas entre os 6 e os 12 anos sofrem de carência de iodo", sustentou Conceição Calhau.
68% dos pais confessou não saber o que era o sal iodado
Quando compararam as crianças por faixa etária, os investigadores concluíram que os mais pequenos (com 5 ou 6 anos) estão mais protegidos, sendo que "apenas 20% apresentava níveis baixos de iodo. Mas entre as crianças mais velhas (entre os 11 e os 12 anos), 39% têm os níveis de iodo comprometidos".
Os pais das crianças avaliadas pela equipa de investigação foram também envolvidos no estudo, sendo que 68% confessou não saber o que era o sal iodado. Além disso, as 83 escolas que integraram o estudo não estavam a usar sal iodado, apesar da indicação, publicada em 2013, da Direção-Geral de Educação nesse sentido.
O iodo pode ser obtido através de alimentos de origem marinha, mas também está presente nos ovos, fígado e leite. Neste trabalho, ficou provado que as crianças que bebem dois ou mais copos de leite por dia se encontram mais protegidas contra o défice de iodo, por comparação às que consomem apenas um copo ou nenhum.
Iodo pode ser obtido através de alimentos de origem marinha, mas também está presente nos ovos, fígado e leite
Ou seja, "existem outras formas de assegurar um aporte saudável de iodo, através da alimentação, mas em termos de saúde pública, a medida mais eficiente seria legislar no sentido de universalizar a iodização do sal", sublinhou a investigadora.
Foi aliás neste sentido que deliberou um conjunto de representantes de entidades como a Direção-geral da Saúde e da Educação, da Ordem dos Nutricionistas, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e até de representantes do setor da restauração e da indústria, reunidos por iniciativa dos investigadores do Cintesis, já a 30 de março de 2016.
Na declaração de consenso que daí resultou e que foi apresentada pela equipa de investigação em dezembro do ano passado durante uma audição com a Comissão Parlamentar para a Saúde, pode ler-se que "é consensual a necessidade de implementação da utilização universal e obrigatória, através de legislação apropriada, de sal iodado em Portugal, devidamente compatibilizada com as medidas e recomendações de redução do consumo de sal".
A necessidade diária de iodo situa-se entre as 90 a 150 microgramas, em função da idade da criança. Este micronutriente serve para manter em equilíbrio os processos metabólicos do crescimento e desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso, desde a 15.ª semana de gestação do bebé.