Entre abril de 2020 e outubro de 2021, Cáritas Portuguesa apoiou em todo o país mais de 16 mil pessoas: para comer, pagar renda, medicamentos e água. Há paróquias no Porto que estão a atingir o limite em termos financeiros e que canalizam para estas respostas urgentes dinheiro que seria para outras finalidades.
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Pandemia e pobreza andam de mãos dadas em todo o país, com milhares de pedidos de ajuda. Só a Cáritas Portuguesa apoiou mais de 16 mil pessoas desde abril de 2020. As instituições mais ativas na resposta de emergência têm dificuldade em continuar o apoio, porque a crise não abranda. No ano passado, as paróquias do Porto alertavam para o aumento do número de pobres e essa realidade teima em continuar. Veja-se o caso da paróquia da Senhora da Conceição, no Marquês: se dantes servia 160 refeições diárias, agora vai nas 420.
As paróquias da cidade do Porto "têm menos capacidade, estão no limite do que podem dar", afirma ao JN Fernando Milheiro, pároco de Campanhã e coordenador da Vigararia Porto Nascente. Acrescenta que "várias paróquias estão quase em situação de insolvência", que só conseguem evitar porque canalizam para estas respostas urgentes "dinheiro que seria para outras finalidades".
Além de comida, as pessoas continuam a pedir ajuda para pagar as contas da água, da eletricidade ou do telefone. Fernando Milheiro acrescenta outra preocupação: "Ainda há empresas em situação muito difícil e em risco de fechar", por exemplo, na área da construção civil, "e isso significará mais desemprego".
Seis mil famílias
Entre abril de 2020 e outubro de 2021, a Cáritas Portuguesa - organização que representa a ação social da Igreja Católica no país - ajudou mais de seis mil famílias, num total de 16 674 pessoas. Segundo um estudo divulgado há dias e que teve por base a resposta das 20 Cáritas Diocesanas à pandemia de covid-19, essa ajuda representou mais de 405 mil euros, entre vales alimentares e apoios financeiros pontuais.
Regiões como Braga, Lisboa e Portalegre/Castelo Branco tiveram um aumento de 50% no número de beneficiários, enquanto Vila Real e Santarém atenderam uma média superior a mil pessoas por mês. Segundo Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, as estruturas diocesanas mantêm em 2021 "a mesma pressão que sentiram em 2020, sem sinais globais de melhoria".
Pagar a renda
O estudo revela que, das famílias que pediram ajuda, 60% eram novos beneficiários da Cáritas e trabalhavam em setores que, além de já serem caraterizados por baixos salários, foram dos mais afetados pelo confinamento. Quanto aos apoios financeiros pontuais, a grande maioria, na ordem dos 63%, foi para o pagamento de rendas, 14% para fazer face a despesas de saúde e 12% para pagar a conta da eletricidade.
Desde o início da pandemia, as Cáritas Diocesanas expandiram a distribuição de cabazes e tornaram mais recorrente a oferta de vales alimentares. Além de que permitiram adicionar carne ou peixe aos cabazes, os vales conferem "maior dignidade ao beneficiário", refere o estudo.
Outra das conclusões é que os beneficiários dos apoios pontuais são sobretudo portugueses: 74%. As faixas etárias andam entre os 30 e os 60 anos e os agregados familiares, em geral, vão até às cinco pessoas.
Moratórias bancárias
O estudo da Cáritas deixa dois alertas em particular: por um lado, quanto aos efeitos do fim das moratórias bancárias na situação económica das famílias; por outro, o potencial agravamento da saúde mental e dos atrasos educacionais de crianças e jovens.
"Não sentimos que houvesse uma crise de solidariedade. A questão é manter essa solidariedade", refere ao JN Rita Valadas. Numa alusão à presença das Cáritas Diocesanas em todo o país, deixa um apelo aos doadores: "Olhem para perto e ajudem mais perto".
Rendas
"Comunidade brasileira em dificuldades"
Num ano, aumentaram em 50 % os pedidos de ajuda à Cáritas de Braga. "De janeiro a outubro, tivemos quase 7000 atendimentos, o dobro do que tivemos no ano passado", disse ao JN João Nogueira, presidente da Cáritas bracarense. O aumento do valor das rendas de casa é o principal fator para a pobreza das famílias. "Não há casas para alugar a menos de 500 euros por mês e quem ganhar o salário mínimo não consegue suportar este custo", referiu. A procura de casas aumentou sobretudo, de acordo com João Nogueira, por causa da elevada emigração oriunda do Brasil. A instituição está a ajudar com comida e no pagamento de contas várias famílias estrangeiras que "procuravam em Braga uma vida melhor mas a pandemia trocou-lhes as voltas".
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Dois mil litros de álcool-gel
foram distribuídos pelas equipas de técnicos e voluntários ao serviço da Rede Cáritas desde março de 2020. E ainda 94 250 máscaras e 17 mil luvas descartáveis.
Caso do Funchal
Entre as 20 distribuídas pelo país, apenas a Cáritas Diocesana do Funchal teve algum abrandamento nos pedidos de ajuda, devido ao relançamento do turismo, setor que não está dependente das mesmas matérias-primas que agora escasseiam por todo o Mundo.
Potenciais efeitos
Uma das preocupações da Cáritas Portuguesa tem a ver com efeitos da pandemia que ainda não se fizeram sentir, nomeadamente a nível social. Rita Valadas, presidente da organização, alerta: "A crise social demora sempre mais tempo a desaparecer do que a crise económica. E a crise económica ainda não acabou".