Há empresas a prometer neutralidade carbónica até 2030. Caso da MSC, que acaba de lançar um navio que reduz em 97% a libertação de óxido de enxofre. Ambientalistas dizem que companhias não podem estar sozinhas e insistem na legislação e ampliação de áreas de controlo de emissões.
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É uma autêntica cidade flutuante que corre as águas de todo o Mundo. Neste navio cruzeiro, enquanto se assistem a espetáculos do Cirque du Soleil ou se atravessa uma avenida de 93 metros, a pompa e o glamour podem fazer passar despercebido mas ali já quase não entram plásticos, há contentores de separação do lixo nos quartos e toda a iluminação é LED. Mais que isso, há sistemas de redução de emissões que o tornam no mais ambiental dos navios. As fitas de inauguração do Grandiosa cortaram-se meses depois de os ambientalistas alertarem que Portugal está em sexto lugar dos países da Europa mais expostos à poluição dos cruzeiros. Parecia, mas as companhias não estão afinal de braços cruzados e há quem já anuncie neutralidade carbónica até 2030.
Para quem vive do mar o caminho parece ser inevitável. "Se não cuidarmos dele como empresa, também não sobrevivemos dele como negócio. E todas as empresas marítimas mais tarde ou mais cedo vão ter que seguir este caminho. Não há planeta B". Eduardo Cabrita, diretor-geral da MSC Cruzeiros, falava a bordo do Grandiosa, em Hamburgo, Alemanha, um dos três portos europeus onde o navio inovador, preparado com tecnologia, pode ligar-se à rede de energia local. Para fazer reduzir as emissões enquanto está atracado. Em Lisboa não o pode fazer. "A indústria está a reagir lentamente". Enquanto a procura em Portugal por férias em cruzeiro continua a aumentar num negócio que já não se faz só de reformados, a MSC abre as portas deste Grandiosa e quer ser a primeira a atingir emissões zero. Os ambientalistas não fazem ouvidos moucos e aplaudem o esforço.
Só em 2017, Lisboa foi a cidade europeia que mais navios cruzeiro recebeu, 115 ao todo. O estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente pôs o mercado em alvoroço depois de revelar que os cruzeiros libertaram 3,5 vezes mais óxidos de enxofre, gás que causa problemas respiratórios e dores de cabeça, que os 375 mil carros que circulam diariamente na capital. Nos óxidos de azoto, que resultam da queima de combustíveis fósseis, os cruzeiros emitiram quase tanto quanto um quinto dos carros na cidade. A associação ambientalista Zero diz que as emissões dos cruzeiros na costa portuguesa foram quase 90 vezes superiores às de todos os automóveis em Portugal. Embora a indústria defenda que os navios representam apenas 3% da poluição no Mundo, e desses só 4% dizem respeito aos cruzeiros.
Assistente virtual
A primeira assistente virtual a bordo de um cruzeiro ainda não é capaz de discutir estes números, mas a ZOE sabe dizer, a partir dos mais de dois mil camarotes, que o Grandiosa é um navio avançado ambientalmente. Podemos não perceber isso ao subir as suas escadas cobertas de milhares de cristais swarovski ou ao olhar para tetos LED com jogos de luz, mas o presidente-executivo da MSC Cruzeiros, Pierfrancesco Vago, faz questão de o sublinhar: "Este navio custou mil milhões de euros. Para ter tecnologia de ponta e olhar o futuro. Os navios também conseguem ser sustentáveis, estamos a trabalhar incansavelmente".
A investigação para chegar aqui começou há dez anos. O Grandiosa ainda não é movido a GNL (Gás Natural Liquefeito) como o navio que a MSC está a construir, mas já traz muita inovação e Pierfrancesco diz que tem muito menos impacto ambiental do que ir de férias de avião. Um sistema híbrido de limpeza de gases de exaustão permite libertar menos 97% de óxido de enxofre, e um sistema de redução catalítica seletiva consegue reduzir 80% o óxido de nitrogénio. Curiosamente, o navio também tenta proteger os mamíferos marinhos, eliminando ruídos. Viajar no Grandiosa significa, para cada passageiro, uma redução de 255 kg de CO2.
Ser neutra em carbono significaria ter só motores a hidrogénio ou elétricos e com energia produzida a partir de eletricidade renovável
Mas a empresa está a fazer mais: otimizar itinerários, reduzir tempo de atracamento ou ar condicionados inteligentes. Na próxima década, prevê reformular navios, incluindo os 500 de carga do grupo, e replantar florestas para compensar o seu impacto. À semelhança do que fez numa ilha nas Bahamas, com reflorestação e preservação dos habitats dos corais, onde a MSC vai começar a atracar de forma exclusiva.
Este é um primeiro sinal da indústria que Francisco Ferreira, da Zero, louva. "Era bom que todos tivessem uma frota mais atualizada e a olhar para estas questões". Mas no que toca às emissões zero, avisa ser "uma alegação difícil, quase impossível". "Ser neutra em carbono significaria ter só motores a hidrogénio ou elétricos e com energia produzida a partir de eletricidade renovável. A indústria apregoa a neutralidade carbónica com projetos de compensação, mas é uma ilusão".
No porto de Leixões e no porto de Lisboa tem que haver a possibilidade de carregamento elétrico
Por isso, Francisco Ferreira valoriza as alterações nos navios, já que "a plantação de árvores não se traduz em verdadeira compensação para o planeta". Ainda assim, alerta, a mudança não pode depender só das companhias. Autoridades portuárias e governos não podem demitir-se de responsabilidades. "É preciso legislação e há necessidade de criar mais áreas de controlo de emissões do enxofre e do azoto". Só estão em vigor nos mares do Norte e Báltico e Canal da Mancha. A Zero pede o mesmo na costa Atlântica e Mediterrâneo.
Segundo o ambientalista, são precisos limites restritivos de emissão nas zonas costeiras e, a longo prazo, limites zero nos portos nacionais. "É necessário investir em infraestrutura. No porto de Leixões e no porto de Lisboa tem que haver a possibilidade de carregamento elétrico". A verdade é que a ex-ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, garantiu que a comunidade internacional está a introduzir medidas de certificação ambiental para os cruzeiros e Portugal está a aumentar restrições à entrada de navios poluentes