As equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos vão a casa dos doentes prestar cuidados médicos, de enfermagem e de psicologia. As vidas de Auro e João melhoraram.
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Aos 97 anos, Auro Almeida ainda se emociona com a vida. Já esteve para perdê-la, mas houve "uns anjos" que lhe entraram pela porta e mudaram o final da história. Os "anjos" ou "santos", como gosta de referir, são os profissionais que integram a equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos (ECSCP) Maia/Valongo da Unidade Local de Saúde (ULS) de São João. "Desde que vieram, melhorei muito, estou cheio de saúde", garante o doente, erguendo-se na cama articulada, orgulhoso do progresso.
Há umas semanas não se mexia, prostrado na doença, uma insuficiência cardíaca com descontrolo sintomático. "Disseram-me para preparar a roupa, porque estava a morrer", conta a filha, Margarida, cuidadora a tempo inteiro. Auro confirma: "Estava a cair todos os dias, estava no fim da minha vida, mas estes santos entraram por aqui dentro e comecei a melhorar de um dia para o outro. Foi um milagre mesmo", diz, com os olhos húmidos.
Auro é um daqueles doentes que ajudam a desmistificar o que são cuidados paliativos. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, estes cuidados não são só para doentes terminais. "Nós acompanhamos o sofrimento, seja físico ou não, minorando-o ao máximo. E não acompanhamos só os doentes em fim de vida, nem apenas os doentes oncológicos. Os cuidados paliativos especializados são para os doentes com necessidades paliativas mais complexas, mas também damos altas", realça Manuel Barbosa, coordenador da equipa constituída há cerca de cinco anos para dar resposta à população da Maia e de Valongo.
Depois de ouvir, tocar, auscultar, realizar ecografias aos pulmões e à bexiga com um ecógrafo portátil ligado a um tablet, a médica Sofia Marafona é a portadora das boas notícias. “Vai ter alta, senhor Auro", informa. "Está tudo bem. Já me puseram num sítio onde nunca pensei estar", responde o doente, espelhando uma mistura de emoções. A filha, Margarida, assiste a tudo. Está lá sempre, 24 horas por dia, desde que decidiu que o pai não ia para um lar. "É pesado, sim. Mas não me arrependo. Afinal, os velhinhos também têm direito a ser bem tratados, não é?"
Descomplicar a vida
De Alfena para Ermesinde, a equipa segue para casa de João Teixeira. O próprio faz questão de vir à entrada de casa receber a médica, a enfermeira e a psicóloga, gerando entusiasmo geral. Com cancro do pulmão e doença arterial periférica, João está em vias de perder dois dedos de um pé devido à falta de circulação de sangue naquele membro. As dores são difíceis de controlar e as noites sem dormir são intermináveis.
Enquanto a enfermeira e a médica tiram o penso do pé para observar e limpar a ferida, a psicóloga dá especial atenção a Paula, a mulher de João, que parece exausta. "Isto é uma viagem e ainda estamos no início, tem de poupar forças para quando ele estiver mais dependente", aconselha Sofia Prata. Ao mesmo tempo, procura convencer João a seguir as indicações médicas e a não alterar a medicação prescrita.
Nas últimas semanas, desde que começaram a ser acompanhados pela equipa de cuidados paliativos, a vida de João e Paula, casados há mais de 25 anos, melhorou. Não foram necessárias mais deslocações ao Hospital de S. João, onde esteve umas 60 vezes nos últimos anos, ganhou tempo e reduziu despesas. "Descomplicou-me muito vida", garante o utente, que tem noção do prognóstico, mas sente-se seguro em casa com o apoio disponibilizado. "Tenho um telefone para ligar quando tenho dúvidas e, se precisar de uma receita, a médica passa logo", explica.
Na parede do quarto está uma fotografia com uma lição antiga: "Experimenta calçar os meus sapatos". Afinal, também é isso que aquela equipa de cuidados paliativos procura fazer para minorar o sofrimento dos doentes.