Mais de 60% das vagas ficaram por ocupar. Ministro defende modernização da oferta pelas instituições.
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Terminadas as três fases do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, 61,2% das vagas dos cursos na área de Agricultura, Silvicultura e Pescas ficaram por preencher, com 295 estudantes a serem colocados. Uma tendência que se tem vindo a registar nos últimos anos e que obriga a repensar a oferta por forma a atrair mais jovens para um setor que emprega 8,6% dos trabalhadores portugueses, o dobro da média da UE.
"É uma área que requer uma atenção particularmente ativa de todos. Os cursos não atraem nem os os melhores estudantes, nem têm sido uma das primeiras opções", explica ao JN o ministro da Ciência e Ensino Superior. Sendo esta "uma área estratégica para o país", Manuel Heitor diz ser necessário "modernizar a oferta formativa dentro das instituições de Ensino Superior (IES), em articulação com as empresas". Por entender que as IES não conseguiram acompanhar a revolução tecnológica ocorrida no setor primário. Os cursos, frisa, "passam uma imagem, junto dos jovens, de antiquados".
O que diz o setor....
"Primeiro é preciso questionar: onde é que não há cursos de Agricultura?". A questão é lançada pelo secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal. Engenheiro zootécnico formado em Évora, Luís Mira frisa que "o conhecimento que os cursos hoje dão são generalistas, quando são necessários especialistas. Numa estufa prefiro um engenheiro químico do que um agrónomo". O setor tornou-se tão "especializado que extravasa a questão da Agronomia e as universidades não conseguiram adaptar-se a estas alterações".
... e as instituições
O presidente do Conselho Coordenadores dos Institutos Superiores Politécnicos destaca o facto de o concurso de acesso ser apenas uma parte da equação, na medida em que muitos estudantes, nomeadamente do politécnico, ingressarem através das provas para maiores de 23 e via CTESP (cursos de dois anos). Pedro Dominguinhos, reconhece, contudo, que", do ponto de vista global perderam alguma atratividade", o que obriga "a um trabalho de maior educação " e a "investir em inovação pedagógica".
O reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro entende que o atual "cenário exige repensar o modelo de ensino, sendo essencial lançar um programa mobilizador para dinamizar uma cultura de inovação que atraia os mais jovens para a área agrícola e alimentar". Programa que, defende António Fontainhas Fernandes, "deve envolver o Ciência Viva". Destacando Manuel Heitor o "Quintas Ciência Viva", que junta autarquias e IES e que visa atrais os jovens para o setor.
Já o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, com 1500 alunos, assume-se como a exceção, ao preencher todas as vagas logo na 1.ª fase. "Somos a mais antiga instituição (1910), instalada na Tapada da Ajuda, numa montra de conhecimento com 100 hectares, ímpar na Europa", explica o presidente António Guerreiro de Brito, que lamenta não poder abrir mais vagas.
É um sonho, mas gostava que fosse mais prático
À beira de concluir a licenciatura em Engenharia Agronómica, Adalcy Luís, 22 anos, não se arrepende da volta que deu à vida vindo de São Tomé e Príncipe para Bragança para estudar na Escola Superior Agrária. Está perto de ser engenheira. "É um sonho tornado realidade. Porque sempre gostei de assuntos relacionados com o solo e com o meio ambiente", explicou a aluna do 3.º ano.
A hipótese de vir para Bragança surgiu-lhe quando o seu pais lhe propôs essa vaga. "Como era o que eu queria, vim logo, nem considerei outra solução", recordou a jovem que espera regressar a São Tomé e Príncipe com um canudo debaixo do braço e com muitos conhecimentos para pôr em prática. "Na minha terra há mercado. Há pouca gente especializada em solos", pelo menos é esta a esperança de quem garante ter "paixão pela agricultura".
Antes de regressar quer fazer o mestrado em agroecologia ou na área do ambiente. Adalcy está para já preocupada em concluir a licenciatura de que gosta muito, ainda que lamente que tenha uma componente mais teórica do que pratica. "Por isso gostava de fazer um estágio para aprofundar os conhecimentos. Acho que a vertente teórica tem um grande peso no curso quando eu gosto mesmo é de mexer na terra, nas plantas. Se fosse mais prático, saíamos daqui a saber como fazer as coisas para entrar bem no mercado de trabalho", referiu a estudante que quando começar a trabalhar espera estar apta para ajudar os agricultores a melhorar as suas produções.
Alunos estrangeiros
A licenciatura em Engenharia Agronómica abriu este ano letivo 45 vagas, cerca de 70% já foram preenchidas, mas ainda há alunos internacionais que estão a chegar." No concurso nacional de acesso estes cursos têm pouca procura, mas acabam por esgotar as vagas com os estudantes estrangeiros e os que entram através dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais", explicou Miguel Vilas-Boas, diretor da Escola Superior Agrária de Bragança, revelando que as áreas ligadas à agricultura têm empregabilidade.
"Os alunos não esperam muito e arranjam emprego com facilidade. O problema é que existe uma desvalorização da agricultura enquanto profissão, que está associada a trabalho pesado e mal remunerado, e os nossos jovens não escolhem estas áreas", acrescentou.
Este ano, a escola Agrária tem cerca de 900 alunos mais 10% do que no ano passado. Os candidatos estrangeiros são três vezes mais do que as vagas disponíveis. Texto: Glória Lopes
As pessoas da minha idade interessam-se pouco
A relação de Beatriz Cerqueira com a agricultura não foi amor à primeira vista, mas o gosto pelo contacto com o campo acabou por encaminhá-la para aquela que acredita ser uma "área com futuro".
Hoje não tem dúvidas de que o curso de Engenharia Agronómica foi a opção certa e até encara os preconceitos que ainda persistem como uma motivação. "É uma área onde ainda existem mais homens do que mulheres, mas acredito que isso está a mudar. Além disso, as pessoas da minha idade interessam-se muito pouco pela agricultura, porque não é vista como uma área virada para o futuro", reconhece Beatriz, que tem apenas 21 anos.
Depois de uma breve passagem pelo curso de Arquitetura, a jovem frequenta agora o 3.º ano da licenciatura em Engenharia Agronómica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. "Sempre tive interesse em agricultura biológica e permacultura e em métodos alternativos à agricultura tradicional", explica Beatriz, que teve o primeiro contacto com a área através dos avós que "sempre trabalharam na agricultura, em pequenos terrenos".
A esmagadora maioria dos colegas escolheu Engenharia Agronómica como primeira opção. "Quem vem para este curso fá-lo porque é uma área de que gosta e que quer seguir mesmo", conta Beatriz, que realça que há muitos trabalhadores na área da agronomia em geral sem formação que estão a apostar em adquirir e consolidar conhecimentos no Ensino Superior.
"Muita da evolução na agricultura que estamos a sentir em Portugal e que ainda se vai sentir é devido a estes cursos", defende. Apesar do aparente desinteresse das gerações mais novas, Beatriz acredita que o número de alunos a escolher esta área de formação vai aumentar nos próximos anos. "As pessoas vão perceber a importância da agricultura, quando começar a faltar alimentos. Vamos precisar, cada vez mais, de produzir com novas técnicas, uma vez que os recursos estão a diminuir", alerta.
Depois de concluir a licenciatura, Beatriz já tem um plano traçado. Quer frequentar um mestrado na Holanda e depois regressar a Vila Real para fazer o doutoramento. "Sinto que a UTAD me está a dar bases para fazer isso. Recebemos alunos sul-africanos e tivemos aulas em Inglês, o que foi muito positivo devido ao contacto com outras culturas e outros métodos de trabalho", afirma. Terminado o percurso académico, o futuro é uma incógnita. Texto: Sandra Borges