No ano passado, 80 pessoas inscritas no registo nacional de dadores de medula óssea recusaram doar quando foram chamadas a fazê-lo por serem compatíveis com um doente em risco de vida. Foram menos do que em 2017 (110), mas as desistências continuam a ser expressivas. A este número acrescem as recusas dos familiares, que também acontecem e não são contabilizadas porque antecedem a ativação do registo nacional.
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Os mitos em volta do processo de colheita de medula óssea estarão na base de boa parte das desistências. Por isso, o IPO do Porto decidiu organizar um evento, no próximo dia 21, para sensibilizar para a importância da dádiva e desmistificar conceitos errados. A iniciativa vai juntar dadores, transplantados e especialistas das principais unidades de transplantação de medula do país.
Em 2018, o CEDACE (Centro Nacional de Dadores de Células de Medula Óssea, Estaminais ou de Sangue do Cordão) recebeu pedidos de ativações para 1424 dadores, dos quais 1102 para doentes estrangeiros e 322 para doentes nacionais, informou ao JN o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST).
Entre os 1424 dadores ativados, 432 ativações foram interrompidas por motivos vários: 220 por questões de saúde, 81 porque os contactos estavam desatualizados, 80 por desistência, 27 porque os dadores foram transferidos para outro registo e 24 porque emigraram, esclareceu o IPST.
Receio de contrair doenças
Ainda que as desistências representem apenas 6% do total de ativações de 2018, são 80 os doentes que terão ficado sem tratamento e até possibilidade de cura. Os transplantes de medula óssea são uma opção terapêutica frequente em linfomas, leucemias, anemias graves, entre outras. E, por vezes, as razões para a recusa são infundadas e baseadas em informação falsa sobre o processo da dádiva.
"As pessoas têm medo, por exemplo, de contrair sida durante a colheita, o que é totalmente errado", refere Susana Roncon, diretora do Serviço de Terapia Celular do IPO do Porto, o único no Norte e Centro do país a realizar colheita de células para exportação aos dadores do CEDACE. Em Lisboa, as colheitas são feitas no IPO e no Hospital de Santa Maria.
Há ainda quem tenha receio da dor e do cansaço e "quem receie ficar com cancro". A dor é ligeira e resolve-se com analgésicos e a questão do cancro "não tem fundamento científico". Essa associação tem a ver com as injeções que os dadores fazem dias antes da colheita por citaférese para mobilização das células da medula, são as mesmas que os doentes oncológicos tomam, explica a médica.
Por outro lado, a maior parte dos dadores inscreve-se para uma dádiva dirigida, para ajudar um bebé que aparece na Internet, num panfleto no supermercado, o filho de alguém e depois constata que não é assim que funciona. "Ajudar uma pessoa conhecida é mais fácil do que doar para um desconhecido", refere.
Susana Roncon lembra-se das recusas, sobretudo de familiares de doentes, mas prefere recordar os casos bons, dos dadores que "dão tudo", mesmo em condições adversas. E pelo meio recorda-se de um jovem dador a quem foi diagnosticada uma doença crónica grave, dias antes de fazer a colheita. Quis prosseguir, "era o seu sonho" e a dádiva foi concretizada, depois de avaliados os riscos para dador e recetor.
Perguntas e respostas
O que é necessário fazer para ser dador?
A inscrição no registo nacional de dadores de células de medula óssea (CEDACE) pode ser feita nos centros regionais de sangue (Porto, Coimbra e Lisboa) ou junto de brigadas móveis de colheita de sangue. Basta preencher um impresso e tirar uma pequena amostra de sangue. Tem de ter entre 18 e 45 anos, mais de 1,50 cm e não pode sofrer de doenças crónicas.
E se for compatível com um doente?
É contactado para fazer novas análises de compatibilidade. Se for positivo, é encaminhado para o centro de colheita mais próximo, onde é feita uma avaliação clínica e analítica. Na consulta são explicadas as técnicas de colheita de células - punção óssea na zona lombar ou citaférese (recolha nas veias do braço).
Quem decide a técnica de colheita?
A decisão é do dador. Porém, há casos em que a punção lombar é mais adequada para o doente porque as células retiradas por esta técnica são mais imaturas. O dador recebe esta informação e decide.
Que riscos?
Nenhuma das técnicas tem riscos para a saúde do dador. A punção lombar é feita no bloco operatório, em regra com anestesia geral. Exige um internamento curto (uma noite) e após a colheita são recomendados quatro dias de descanso. Na citaférese, o doente sai do hospital após a colheita e deve descansar um dia.
Registo
403.832 dadores inscritos no CEDACE em agosto
O Centro Nacional de Dadores de Células de Medula Óssea, Estaminais ou de Sangue do Cordão (CEDACE) já tinha, em agosto último, ultrapassado os 400 mil inscritos. O registo português é o terceiro maior do Mundo, quando calculado o rácio por milhão de habitantes e considerando apenas países com mais de 10 milhões de pessoas, referiu o IPST. O maior é o dos Estados Unidos.