Durante os cinco dias em que esteve em Portugal, o Papa fez oito discursos e duas homilias, sendo que falou quase sempre de improviso, até pela dificuldade que assumiu que tinha em ler. Deixou muitos recados para dentro da hierarquia, abordou temas incómodos e tentou fazer a pedagogia da inclusão.
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Guerra na Ucrânia
Confessa dor e apela à Europa
As críticas aos políticos e à má política que se faz na Europa, que não consegue resolver questões como a guerra na Ucrânia ou os problemas relacionados com as migrações, marcaram o primeiro discurso do Papa em Portugal, no Centro Cultural de Belém, num encontro com a sociedade civil e o corpo diplomático, logo na quarta-feira, dia em que aterrou em Lisboa. “Com profundo amor pela Europa e no espírito de diálogo que distingue este continente, poderíamos perguntar-lhe: ‘Para onde navegas, se não estás a mostrar ao Mundo caminhos de paz, formas criativas para pôr fim à guerra na Ucrânia e aos muitos outros conflitos que causam tanto derramamento de sangue no Mundo”, disse Francisco. O Papa encontrou-se com 15 jovens ucranianos e colocou a guerra na agenda da JMJ. Ontem, no fim da missa de envio, confessou: “sinto uma grande dor pela Ucrânia, que continua a sofrer tanto”.
Europa
Onde está o seu papel pacificador?
Francisco questionou o Ocidente sobre que “rota é esta” que investe “em armas e não no futuro dos filhos”, lembrando à Europa que o Mundo precisa dela. “O Mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira: precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”, disse. E continuou: “No Mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”. E todos temos a obrigação de “trabalhar para o bem comum”.
Abusos sexuais
Pediu perdão e ouviu 13 vítimas
Logo no primeiro dia, na oração com os bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes pastorais nos Jerónimos, o Papa tocou na ferida dos abusos sexuais. Uma “peste”, disse ontem no avião de regresso, considerando que “as coisas estão a correr bem em Portugal”. Na cerimónia com o clero, Francisco falou da “desilusão” e da “raiva que alguns alimentam em relação à Igreja” devido aos abusos e defendeu a necessidade de priorizar as vítimas. “Os escândalos desfiguraram o rosto da instituição e apelam a uma purificação humilde e constante, partindo do grito angustiado das vítimas, que devem ser sempre acolhidas e escutadas”, afirmou. À tarde, na Nunciatura, reuniu-se com um grupo de 13 vítimas de abusos sexuais na Igreja portuguesa, a quem pediu perdão em nome pessoal e “em nome da Igreja”, dizendo que quer uma “Igreja segura”. Na hierarquia portuguesa, o silêncio sobre este assunto só foi quebrado por D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e bispo de Leiria-Fátima, que por duas vezes abordou o tema. “Rezamos particularmente com e pelas crianças e jovens vítimas da doença, da pobreza, da fome, de todo o tipo de conflito, dos abusos, das injustiças e da exclusão dos mais frágeis”, disse Ornelas, em Fátima, depois de nos Jerónimos ter dito que é preciso defender as crianças “de toda a espécie de abusos”.
Inclusão
Um igreja aberta a todos, todos, todos
O jovem que levou uma bandeira associada à comunidade transexual para um evento da JMJ e foi insultado por alguns peregrinos recebeu o apoio institucional da organização da Jornada Mundial da Juventude. Uma missa em que participava a comunidade LGBT foi invadida por um grupo de católicos de crucifixo em riste e foi chamada a PSP. No mesmo dia, numa entrevista à revista espanhola “Vida Nueva Digital”, o Papa Francisco referiu que lhe “atiram à cara” que recebe transexuais nas audiências gerais. “Vocês são filhas de Deus: [...] continua a amar-vos como são”, afirmou o Papa. Logo na cerimónia de acolhimento, Francisco disse que “na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos”. E pediu aos jovens que repetissem com ele “Quero que digam na vossa própria língua: todos, todos, todos”. Na curta visita a Fátima onde quis ir rezar pela paz, Francisco voltou ao tema do acolhimento. “A Capelinha onde nos encontramos constitui uma bela imagem da Igreja, acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas para que todos possam entrar. E aqui, também, podemos insistir que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe”. A mensagem do Papa foi só uma: todos contam na Igreja, todos têm um nome e um rosto, não são números, e podem estar “sem maquilhagens”. “Somos amados tal como somos”, disse.
Pobreza
Amar é sujar as mãos pelos outros
“Têm nojo da pobreza?”, perguntou o Papa no encontro que teve com algumas associações de solidariedade social no Bairro da Serafina, em Lisboa. “A caridade é a origem e a meta do caminho cristão e a vossa presença, realidade concreta de amor em ação, ajuda-nos a não esquecer a rota, o sentido daquilo que estamos a fazer sempre”, afirmou Francisco, pedindo aos responsáveis das instituições que se questionem se têm nojo da pobreza e desafiando-os a sujar as mãos. Agradeceu também aos centros de assistência sociocaritativa, afirmando que “a caridade é a origem e a meta do caminho cristão”.
Redes sociais
Não se escondam através das redes
Por mais do que uma vez, Francisco pediu aos jovens que se conectem “com a chamada de Deus” e não com as redes sociais. Com as mãos a segurar os telemóveis, milhares de jovens ouviram o Papa dizer que Deus “não é um motor de busca”, mas que é preciso estar atento para ouvir “a chamada de Deus”. O Sumo Pontífice disse ainda que cada jovem tem um nome, mas que “não esconda essa identidade atrás de redes sociais ou perfis”. “O teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências”, disse.
Mulheres
O seu contributo é indispensável
Na intervenção que fez na Católica, o Papa falou do “indispensável contributo feminino” na economia. Inspirado em textos bíblicos, referiu que a mulher tem “uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual com todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros”. Numa Jornada centrada na figura de Maria, que se “levantou e partiu apressadamente”, Francisco falou numa diferente abordagem aos “estudos económicos” para devolver à economia “a dignidade que lhe compete”.
Preocupações
Eutanásia, aborto e envelhecimento
Primeiro num encontro onde estavam Marcelo Rebelo, António Costa e vários ministros e depois no almoço com jovens de vários países, o Papa Francisco criticou as “leis sofisticadas da eutanásia” e do aborto. O chefe da Igreja considerou que a vida humana está colocada “em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”. “Penso em tantas crianças não nascidas e idosos abandonados a si mesmos, na dificuldade de acolher, proteger e promover e no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao Mundo e fazer crescer os filhos”. O Papa por várias vezes falou na importância dos avós e da importância de os jovens serem “dignos das suas raízes” e de quem lhes deu “a vida, a fé e o amor.