GNR usa tablets para fazer videochamadas entre familiares que não se viam há meses.
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"Minha rica filha! Desde o Natal que não a via..." Maria de Jesus Oliveira, 84 anos, não consegue conter a emoção mal Irina Pinto, comandante do Destacamento Territorial de Torres Novas da GNR, inicia uma videochamada com Maria Elisa, residente em Castanheira, Vila Franca de Xira, e filha da octogenária.
Da vila ribatejana à aldeia de Azinhaga, onde a idosa vive com o marido - Manuel da Silva, de 92 anos - são apenas cerca de 70 quilómetros, mas a distância aumentou desde que, em meados de março, o isolamento em casa passou a ser meio para travar a covid-19. "Só saio para ir ao lixo", conta, à porta de casa, Maria de Jesus, com o sol a queimar-lhe o rosto escondido pela máscara. É sexta-feira e, só em Azinhaga, foram três as habitações onde, graças ao tablet na posse dos militares, vários idosos que moram sozinhos puderam falar, brevemente, com a família.
"E as ervilhas?"
As chamadas são a componente mais recente do programa "65 Longe+Perto", lançado pela GNR no início da pandemia. O objetivo é que sejam contactados todos os cerca de 42 mil idosos sinalizados como vivendo sozinhos e/ou isolados. Até agora, frisa o porta-voz da instituição, Hélder Barros, foram abordados, a nível nacional, mais de 40 mil.
Duzentos estão a ser apoiados psicologicamente pelo centro clínico da Guarda. E 150 puderam, desde o final de abril, rever os familiares que estão longe através de uma videochamada.
No total, foram 20 os tablets cedidos pela Altice e distribuídos pelos 18 comandos distritais da GNR. Os aparelhos são depois utilizados pelos militares durante as suas visitas aos idosos. Ontem, permitiram unir, por alguns momentos, a Azinhaga a Castanheira, ao Cacém, no concelho de Sintra, e, até, à Suíça.
Maria Odete e José João, de 77 e 78 anos, são dois dos responsáveis pelo facto de a aldeia do município da Golegã contactar, à distância, com locais tão distintos. Em segundos, o casal dá por si a falar em simultâneo, numa videochamada convertida em videoconferência, com a filha e a neta residentes no Cacém e a nora e uma outra neta emigradas na Suíça.
A conversa passa, inevitavelmente, pelas liberdades que o vírus tirou em Portugal e no país helvético, mas não só. "Pai, e as ervilhas, como estão?", pergunta uma das descendentes. "Só têm rama", desvaloriza José João, antes de Maria Odete se queixar de que a chuva matou os morangos. "Novidades há poucas para a horta", acrescenta o pai. Nada que impeça a família de fazer planos para o futuro... com gargalhadas à mistura.
"A gente há de comprar um tablet [para nos podermos ver mais vezes]", diz uma das filhas. "Uma tablete de chocolate branco?", responde, jocosamente, o idoso. A pessoa a tratar da tecnologia será, afinal, Maria Odete. No final, fica a esperança de que agosto possa ser o mês do reencontro.
Aproveitar o almoço
"Nunca mata as saudades", lamenta, à porta de outra habitação em Azinhaga, Anita, 90 anos celebrados em fevereiro. A ocasião fora a última em que, até ontem, vira a filha, de 67 anos e atualmente a trabalhar na Suíça. Na altura, Maria Assunção organizou "um almoço muito grande" na Golegã. Agora, aproveita a hora de almoço para rever a mãe, utente, tal como os restantes idosos, do centro de dia da Santa Casa de Azinhaga, atualmente encerrado.
"Então e não almoças por causa da mãe?", ralha, com ternura, Anita, a alegria a contrastar com o choro da filha. A videochamada está prestes a terminar, mas não sem Irina Pinto prometer que a GNR vai continuar a cuidar de Anita. Maria Assunção agradece e o silêncio regressa, para desgosto da sua mãe: "E agora como é que fico, aqui sozinha?"