É a tendência que mais tem surpreendido o mercado. São cada vez mais os que trocam Lisboa e Porto por locais de menor densidade populacional, onde as compras e alugueres de imóveis têm vindo a crescer. Teletrabalho, fácil acesso à internet e melhor qualidade de vida explicam as opções
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Há cada vez mais portugueses a fugir das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e a comprar ou alugar casa em zonas do país menos povoadas para aí habitarem a título definitivo. O JN Urbano ouviu várias empresas que operam no setor imobiliário, que confirmaram a explosão desta tendência de mercado.
As mudanças começaram a fazer-se sentir logo desde o início da pandemia, em março de 2020. E não há sinais de abrandamento no horizonte, tudo indicando que nos próximos meses a procura por soluções de habitação longe da confusão das grandes cidades vá continuar a crescer a um ritmo considerável e surpreendente.
"Tem-se vindo a assistir a um aumento do interesse por determinados tipos de imóveis, designadamente quintas, moradias e terrenos, que se encontram sobretudo fora dos grandes centros urbanos, confirma Beatriz Rubio, CEO da agência imobiliária RE/MAX Portugal. "As zonas que mais movimento têm tido apresentam muito boas acessibilidades aos centros urbanos e características mistas de campo e de cidade", completa a responsável.
"Já não se trata apenas de um simples fenómeno, é uma certeza absoluta. A venda e o aluguer neste tipo de localizações subiu praticamente 20%", acrescenta Patrícia Barão, da consultora imobiliária JLL.
A Norte, apurou o JN Urbano junto de diferentes intervenientes no mercado, entre as localizações mais procuradas constam os concelhos de Espinho, Ovar, além de vários exemplos espalhados pelo vale do Douro. Mais a sul, a procura tem sido intensa na Comporta, em Melides, Óbidos ou Grândola.
Com a pandemia, alteraram-se hábitos de trabalho e a casa passou a ser, em muitos casos, cenário para o desempenho profissional. O que antes parecia quase impensável, é agora uma rotina diária para milhares de portugueses, que realizam todas as suas tarefas laborais a partir do próprio lar.
"O teletrabalho e a facilidade de acesso à internet permitem que não seja necessária a deslocação para o habitual local de trabalho, seja por motivos de segurança sanitária ou simplesmente por opção, e que tudo seja feito a partir de casa. Daí as pessoas procurarem uma qualidade de vida superior, onde aliam a vida pessoal à profissional em locais não muito longe das grandes cidades onde viviam, mas com todas as comodidades a que sempre estiveram habituadas", sublinha Patrícia Barão.
Se a pandemia, o teletrabalho e a busca por mais e melhor qualidade de vida ajudam a explicar parte da opção de escolher locais para viver onde predomina a tranquilidade, os preços praticados nas grandes cidades são outra das razões apontadas para levar avante tal caminho de vida.
Preços dispararam
"Esta movimentação foi tão mais importante quanto mais densa a malha urbana e maiores as subidas dos preços nela praticados. Deve-se tanto aos preços pouco apelativos nos principais centros como à muita atratividade que as zonas mistas apresentam", assinala Beatriz Rubio, da RE/MAX.
O último Índice de Preços da Habitação, revelado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a 23 de junho, com dados relativos ao primeiro trimestre de 2021, confirma que o mercado esteve mais agitado do que o habitual em pontos do país afastados de Lisboa e Porto.
Segundo o INE, quatro regiões apresentaram um crescimento simultâneo do número e do valor das transações de alojamentos relativamente ao mesmo período de 2020: Alentejo, Centro, Madeira e Norte (15,7%, 7,1%, 6,6% e 4,5%, respetivamente).
Lisboa, por seu lado, diminuiu pelo terceiro trimestre consecutivo o peso nacional do total de transações e viu o mercado contrair 4,7% . O Porto subiu ligeiramente em relação ao período homólogo de 2020, apenas 1,1%.
Antes de a covid-19 dominar os dias, Lisboa e Porto debatiam-se com uma escalada de preços que condicionava quem lá pensava adquirir ou alugar imóvel. Um cenário que não se alterou e que acelerou a resposta de um nicho de mercado dantes pouco ativo e que se concentra em zonas que no período anterior a 2020 dava tímidos sinais de expansão.
"Mesmo antes da pandemia registavam-se aumentos mais acentuados nas zonas periféricas aos grandes centros urbanos e essa realidade não se alterou", descreve Beatriz Rubio.
A Casafari, plataforma internacional que agrega informação online de todos os sites e portais de imobiliário de vários países, nomeadamente Portugal, confirmou tal cenário. Num estudo a que o JN Urbano teve acesso, a Casafari revela que o preço médio de um apartamento em Lisboa ronda, em 2021, os 412.369 euros. Ou seja, mais 12,32% que o pedido em 2020. As rendas, essas, baixaram ligeiramente (0,89%) de um ano para outro.
No Porto, ainda de acordo com a mesma fonte, comprar apartamento em 2021 é mais caro 16,41% em comparação com 2020, com a média de preços a bater nos 226 332 euros.
"Os mercados afastados dos grandes centros foram os grandes vencedores em termos de vendas no último ano e, até à data, também em 2021. Não só subiram as transações, como acabaram por se consolidar em termos de opção para quem pretende mudar de vida", diz ao JN Nils Henning, fundador e CEO da Casafari.
Se quem está no mercado português ainda não dá conta de um aumento dos preços imobiliários em zonas rurais ou de menos densidade populacional, o mesmo não se passa noutros países da Europa. É o caso do Reino Unido, onde, tal como cá, a pandemia foi pretexto para sair da cidade para locais tranquilos. O crescimento foi tal que, conforme noticiou o jornal "The Guardian", os preços subiram 14,2% em apenas um ano devido à ainda escassa oferta para tamanha elevada procura.