Democracias devem "reformar-se" para que outros não venham "preencher o vazio"
O presidente da República defendeu, na cerimónia dos 113 anos do 5 de Outubro, que as democracias ocidentais devem "evoluir", "reformar-se" e "reaproximar-se dos povos", sob pena de verem surgir outros regimes que "preencham o vazio" existente.
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Pelo segundo ano consecutivo, Marcelo Rebelo de Sousa fez um balanço da História portuguesa e europeia do último século, pedindo que se retirem "lições do passado". Alertou que, se nada for feito, o declínio das democracias ocidentais pode acontecer "mais depressa do que se pensa".
Na Praça do Município, em Lisboa - local onde, em 1910, foi proclamada a República -, o chefe de Estado alertou que, se as democracias liberais "demorarem eternidades a compreender que devem evoluir, reformar-se e reaproximar-se dos povos", abrirão "espaço para que outros preencham o vazio que vão deixando atrás de si".
Marcelo sustentou que o reinventar dos regimes ocidentais só ocorrerá se os responsáveis políticos preferirem "a antecipação ao conformismo, a abertura ao fechamento, a alteração das mentalidades ao situacionismo e à inércia". O modo como Portugal e os restantes países deste bloco evoluirão "só depende de nós", referiu, acrescentando que "não podemos deixar morrer a liberdade".
Sem mencionar quaisquer países, o presidente da República frisou que "a balança de poderes no mundo está em mudança" e avisou que "ou as instituições internacionais e domésticas mudam a bem ou mudarão a mal". Sublinhou que esse processo poderá ser acelerado se as democracias liberais revelarem "incapacidade ou lentidão no superar da pobreza e das desigualdades", bem como na valorização da mulher, dos migrantes e dos jovens.
Promessas "que sabemos que não vamos cumprir": um reparo à entrada da Ucrânia na UE?
Mais do que o Governo, os reparos de Marcelo visaram as organizações internacionais - o próprio referiu instâncias como a ONU, a NATO ou a União Europeia (UE), para além da CPLP e do mundo ibero-americano. Naquilo que pode ser entendido como uma crítica à forma como o Ocidente tem acenado à Ucrânia com a entrada na UE e na NATO, o presidente vincou que estes blocos serão mais fortes se não prometerem reformas "que sabemos que não vamos cumprir".
Tanto o presidente como o primeiro-ministro, recorde-se, já mostraram várias vezes reservas sobre o modo como se poderá processar o alargamento da UE - com a eventual entrada da Ucrânia e de outros países no bloco, Portugal poderá perder fundos europeus. António Costa participa, ainda esta quinta-feira, numa cimeira europeia, em Espanha, precisamente sobre o tema.
Marcelo começou o discurso com uma resenha histórica, lembrando que, há um século, as democracias liberais "pensavam que as formas [de governo] existentes eram mais eternas do que seriam". Argumentou que estas acabariam por sucumbir a "ditaduras totalitárias ou autoritárias" porque recusaram "antecipar futuros", não compreendendo que a mudança "era inevitável" e que "mais valia prepará-la a deixar para improvisos, acertos e remendos de última hora o que tinha de ser feito".
Ao contrário do que ocorreu em anos anteriores, a cerimónia de comemoração da Implantação da República não foi aberta ao público. Perto da Praça do Município, alguns professores concentraram-se em protesto e fizeram-se ouvir.