Maioria das decisões de encerramento tomadas pela Segurança Social resultam de queixas, dada a falta de meios para inspeções. 87 casos foram para a Justiça em dois anos.
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No ano passado, 88% dos lares de idosos mandados encerrar pela Segurança Social resultaram de denúncias e só 12% da iniciativa da instituição, sendo que o peso das participações aumentou. No total, 117 instituições receberam indicações para fechar, mas 40 não cumpriram a ordem, pelo que os processos foram remetidos para o Ministério Público pelo crime de desobediência, revela ao JN o Instituto da Segurança Social. A existência de apenas 260 técnicos para esta função é considerada insuficiente pelo setor para fiscalizar um universo de 2512 lares licenciados, a que acrescem muitas centenas de ilegais.
As denúncias de situações de maus-tratos e de negligência - como sucedeu no início de março no lar Delicado Raminho, na Lourinhã, lar privado que estava licenciado e foi encerrado - têm sido determinantes. Em 2021, segundo o ISS, estiveram na origem de 68% dos casos de lares encerrados (num total de 98) e no ano passado 88% (num total de 117). No entanto, o incentivo às denúncias não é consensual.
Falta acompanhamento
João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), defende que o ideal seria existir um "acompanhamento mais regular da Segurança Social", apesar de reconhecer que tem "falta de recursos"."Há denúncias reais e outras de empregadas que inventam coisas, porque se querem vingar dos patrões", assegura.
13 participações feitas em 2021 e quatro em 2022. Os casos que podem configurar crime são encaminhados para a PGR ou para a Segurança Social.
O presidente da ALI considera, por isso, que os proprietários dos lares têm o direito de saber quem fez a denúncia, caso queiram avançar com um processo por difamação. "Mas há lares que se põem a jeito", admite. "Casas clandestinas, manhosas, sem condições e sem pessoal suficiente, sem camas articuladas, nem colchões antiescaras, que não hidratam a pele das pessoas, já para não falar na alimentação", elenca.
Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), confirma que a fiscalização da Segurança Social não é suficiente, pelo que "proliferam pequenos lares clandestinos não desconhecidos", sobretudo em Lisboa e no Porto. "Como não há resposta de lares suficientes, a Segurança Social fecha os olhos", afirma. "Alguns não reúnem o mínimo de condições. São camaratas em que as pessoas se acotovelam e não têm acompanhamento humano suficiente".
Contra "sociedade pidesca"
"O aumento das denúncias talvez se possa explicar com o facto de haver uma atenção maior da sociedade a estas situações", admite Lino Maia. Contudo, discorda que se criem mecanismos de proteção dos denunciantes. "Tenho muito medo de caminhar para uma sociedade pidesca", confessa. "As denúncias consistentes devem ser analisadas e ter consequências, mas há muitas que não são consistentes, e da parte dos serviços do Estado não há capacidade para as escalpelizar".
17 queixas relativas a estruturas residenciais de pessoas idosas foram recebidas na Provedoria da Justiça nos últimos anos.
"Uma fiscalização causa sempre uma perturbação muito grande numa instituição e, por vezes, inventam-se problemas. Parece que os olhares estão mais voltados para aquilo que está em ordem, como as IPSS", observa o presidente da CNIS.
Antes do recurso à denúncia, entende que se deve recorrer à direção da instituição, à direção técnica ou ao provedor do utente, figura que defende que deveria existir em todos os lares. "Quando este mecanismo não é eficaz, acho bem que se recorra à Segurança Social ou ao Ministério Público. Os direitos dos idosos têm de ser respeitados".
Segundo o ISS, na sequência de 548 ações de fiscalização em 2021 e de 674 em 2022, nos últimos dois anos encerraram 215 lares, 43 dos quais com caráter de urgência devido ao "perigo iminente para os utentes". Os 87 crimes de desobediência foram participados ao Ministério Público por os proprietários não terem cumprido a ordem de fecho, determinada pela inexistência de licença, inadequação das instalações, deficientes acessibilidades, entre outras irregularidades.