Perturbações de ansiedade e depressivas são principais motivos. Centro Materno Infantil do Norte teve aumento de 40% dos episódios. No D. Estefânia, em Lisboa, também subiram.
Corpo do artigo
Há cada vez mais crianças e adolescentes a recorrerem aos serviços de urgência de pedopsiquiatria. Chegam com alterações agudas do comportamento, do humor e da ansiedade e com perturbações depressivas.
Os confinamentos, sobretudo o segundo, e o início do ano letivo estão a ter consequências na saúde mental dos mais novos. A utilização de psicofármacos em crianças e jovens não é habitualmente a primeira opção, mas os médicos admitem que, com o aumento da patologia, haverá mais crianças medicadas.
No Centro Materno Infantil do Porto, entre 1 janeiro e o dia 19 de outubro, houve 1236 episódios de urgência de pedopsiquiatria, um aumento de 40% face a igual período de 2019, antes da pandemia. Comparativamente com o ano passado, o aumento é ainda mais expressivo (73%), mas decorre da redução generalizada da procura de cuidados de saúde devido à covid-19.
Em Lisboa, no D. Estefânia, que integra o Centro Hospitalar Lisboa Central, assiste-se igualmente a "um aumento" das urgências de pedopsiquiatria face a anos anteriores, mas o hospital não quantificou. Referiu, porém, que "os sintomas de ansiedade e de depressão ocupam neste momento uma parte muito significativa" dos motivos de ida à urgência de pedopsiquiatria.
As famílias procuram a urgência de pedopsiquiatria "sobretudo em situações de crise", como são as alterações agudas do comportamento, do humor ou ansiedade", refere o centro hospitalar, explicando que, para cada diagnóstico, "na esmagadora maioria dos casos, a indicação dada é para acompanhamento em consulta". O número de pedidos de consulta em Saúde Mental tem aumentado em todas as idades, nota ainda, sem quantificar, mas atribuindo o facto à maior sensibilização para identificar o sofrimento e pedir ajuda.
Problemas de ansiedade
Paulo Baptista dos Santos, presidente do colégio de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da Ordem dos Médicos, reconhece que o segundo confinamento foi "muito prejudicial" para as crianças e jovens e "parece estar a ter consequências a nível da saúde mental".
Como ainda não há números que permitam retratar com exatidão o agravamento a nível nacional, o médico de Viseu fala apenas sobre perceções, próprias e partilhadas por colegas. Os confinamentos, a paragem do desporto infantil e juvenil, o regresso à escola presencial e as alterações nas rotinas mexeram com a ansiedade, sobretudo dos miúdos mais suscetíveis.
"O início do terceiro período de 2020 foi uma tragédia. Muitas escolas começaram logo com testes, o que motivou muitas crises de ansiedade", recorda, admitindo que o arranque do atual ano letivo possa estar a ter o mesmo efeito.
jovens mais medicados
O pedopsiquiatra Pedro Monteiro já não está no ativo, mas acredita que a pandemia, por si só, não vai aumentar a incidência de doença mental. "É um fenómeno temporário que também tem a ver com as dificuldades de atendimento nos serviços durante alguns meses", diz, admitindo que as alterações provocadas pela covid-19 perturbaram as crianças mais frágeis.
Já Paulo Baptista dos Santos não tem dúvidas de que o aumento da incidência das patologias resultará num crescente uso de fármacos. Nas crianças e jovens, como não é recomendado o uso de ansiolíticos e calmantes, geralmente são usados antipressivos para tratar perturbações depressivas e de ansiedade em jovens a partir dos 15 dos anos, explicou.
Também o Centro Hospitalar Lisboa Central refere que a utilização de psicofármacos em crianças e adolescentes não é, habitualmente, a primeira (nem a única) intervenção proposta nos quadros de perturbação de ansiedade ou depressão, sobretudo nos mais novos. Mas, "em muitos casos, é essencial" e "os estudos mostram ser o mais eficaz".
Mais anorexias nervosas
O presidente do Colégio de Psiquiatria da Infância e Adolescência tem percecionado um aumento de casos de anorexia nervosa, um distúrbio alimentar que afeta sobretudo as mulheres, bem como o agravamento dos sintomas na patologia pré-existente. O médico diz que "há muitas adolescentes a aparecer na consulta ou a serem internadas que referem o aparecimento ou agravamento dos sintomas nos confinamentos".
"A maior parte das crianças reagiu bem à pandemia. Mas há algumas, mais frágeis, que podem ter necessidade de recorrer mais aos hospitais. É um fenómeno temporário, vai passar"