Eleição de Aguiar-Branco parecia certa, mas Chega recua e gera imbróglio Instabilidade revela-se logo no primeiro dia de legislatura. A votação é retomada hoje.
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Se havia receio de que a nova legislatura pudesse ser instável, bastou um dia para que essa ideia saísse reforçada. Após três votações e longas horas de impasse, nenhum dos três candidatos a presidente da Assembleia da República (AR) alcançou os 116 votos necessários para haver vencedor. Na primeira eleição, José Aguiar-Branco, do PSD (então candidato único) ficou-se pelos 89 votos a favor (o Chega recuou no acordo que tinha feito para o eleger); à segunda, Francisco Assis, entretanto apresentado pelo PS, teve 90 votos, contra 88 de Aguiar-Branco e 49 de Manuela Tender (Chega). Por último, já pelas 23 horas, Assis voltou a ter 90 votos e Aguiar-Branco 88 (53 brancos). Uma vez mais, não houve a maioria absoluta exigida.
Perante o impasse, António Filipe, do PCP - que, por ser o deputado com mais tempo de funções, e dado que Santos Silva não foi eleito, conduz os trabalhos até haver líder - anunciou que as votações serão retomadas hoje, às 12 horas. Mas ontem, ainda antes da terceira ronda, Pedro Frazão, do Chega, avisou o PSD, na CNN, para que não contasse com mais votos a favor de Aguiar-Branco.
Da certeza à dúvida
De manhã, quando os deputados começaram a registar-se para a nova legislatura, a vitória de Aguiar-Branco era dada como praticamente certa. Não só porque o antigo ministro da Defesa e da Justiça era o único candidato perfilado como porque PSD e Chega tinham, aparentemente, chegado a um acordo: os sociais-democratas votavam a favor de Diogo Pacheco de Amorim para uma das vice-presidências da AR e, em troca, Ventura aceitava Aguiar-Branco para a presidência.
Foi, por isso, com surpresa que se assistiu ao resultado da primeira eleição: o candidato único não foi além dos 89 votos a favor, tendo-se ainda registado 134 votos em branco e sete nulos. Aguiar-Branco ficava, assim, a 27 votos dos 116 necessários. Tendo em conta que a Aliança Democrática tem 80 deputados, só terá havido nove parlamentares extracoligação a votar a favor do candidato.
Perante este cenário, o hemiciclo irrompeu em acusações cruzadas: Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, acusou PS e Chega de fazerem uma “coligação negativa”, ironizando que só faltava apresentarem um candidato conjunto e anunciando que retiraria a candidatura de Aguiar-Branco. Eurico Brilhante Dias, o seu homólogo socialista, respondeu realçando que o acordo PSD-Chega foi “rasgado em menos de 24 horas”. O PS, referiu, não era “tido nem achado” neste processo.
Ventura acusou o PSD de ter colocado “o interesse egocêntrico do partido acima do do país”. Cá fora, aos jornalistas, reconheceu que, “provavelmente”, tinham sido deputados do Chega a obstaculizar a eleição de Aguiar-Branco. Justificou que isso se devia ao facto de “Nuno Melo e outros” dirigentes da Aliança Democrática terem, alegadamente, dado o dito por não dito e negado publicamente qualquer acordo com o Chega.
Dramatizando, Ventura pressionou os sociais-democratas a decidirem de que lado estão. “O PSD tem de escolher as companhias: se quer fazer uma coligação com o PS ou se quer governar à Direita”, atirou.
Ventura pede reunião
Algum tempo após o anúncio de que o PSD retiraria a candidatura de Aguiar-Branco, o próprio revelou que, afinal, iria manter-se na corrida. “O país não pode ficar num impasse”, justificou.
Do lado do PS, Brilhante Dias afirmou que, face ao impasse, o partido iria avançar com o nome de Francisco Assis - que, recentemente, tinha recusado concorrer ao lugar. O ainda líder parlamentar frisou que o PS “não deixará esta câmara sem uma boa solução”. O Chega apresentou o nome de Manuela Tender, uma ex-deputada do PSD, que se ficou pelos 49 votos (sendo que o partido tem 50 deputados) e foi, assim, arredada da última ronda.
A terceira e última tentativa do dia revelou-se tão infrutífera como as anteriores. Assis concentrou os votos de boa parte da Esquerda (teve os 90 que já tinha alcançado na segunda ronda, sendo que os partidos de Esquerda totalizam 92 deputados); já Aguiar-Branco repetiu os 88 votos da vez anterior. Ou seja, os 50 deputados do Chega mantiveram-se irredutíveis no voto em branco.
No final, já depois das 23 horas, Ventura voltou a garantir que continuava disponível para uma “convergência à Direita” com o PSD, com uma condição: que Luís Montenegro se reunisse com ele “à hora que quiser, onde quiser, nas condições que quiser”. Queixando-se de que o líder social-democrata “não se dignou” a discutir o tema da eleição do presidente da AR cara a cara com o Chega, atirou, aludindo à promessa de Montenegro de que não fará entendimentos com o seu partido: “Se dizem ‘não é não’ lá fora, não podem querer ‘sim é sim’ cá dentro”. Também já após o fim dos trabalhos, Miranda Sarmento deu conta de que o PSD se mantém “aberto ao diálogo com todas as forças políticas para resolver este problema”.
Apesar do impasse, o plenário terminou com uma nota ligeira da parte de António Filipe, o improvável líder da AR que ficará no cargo durante, pelo menos, mais um dia. “Queria anunciar que, apesar da minha inusitada permanência em funções, não vou pernoitar na residência oficial”, disse, motivando uma gargalhada geral.
O dia até tinha começado com o líder do PS, Pedro Nuno Santos, a acusar o PSD de se ter aproximado do Chega “à primeira oportunidade”. Em resposta, Hugo Soares, futuro líder parlamentar laranja, sustentou que a viabilização dos candidatos a vice das quatro maiores forças - incluindo o Chega - não é mais do que o “cumprimento da Constituição”.
No dia de arranque da legislatura, ficou ainda a saber-se que a IL não irá integrar o novo Governo. Num comunicado conjunto, os partidos afirmaram que, “nesta altura”, não avançarão para “entendimentos alargados”. Reconhecendo que houve “contactos” entre ambos, comprometeram-se a continuar a dialogar sobre “matérias relevantes” para o país.
Datas
Dia 28: novo Governo
Uma semana e um dia depois de ter sido indigitado pelo presidente da República, Luís Montenegro volta a Belém para apresentar os ministros.
Dia 2 de abril: tomada de posse
Tradicionalmente, a cerimónia do Governo decorre no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Estarão presentes os membros do Governo cessante, incluindo o primeiro-ministro, António Costa. Discursam Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro. Os secretários de Estado só tomam posse no dia 4 de abril.
Dia 12 de abril: programa na AR
Segundo a Constituição, o programa de Governo deve ser apresentado “dez dias após a sua nomeação”. O Executivo só entra em plenitude de funções após a apreciação do documento pelo Parlamento, se não for rejeitado.
Iniciativas
Estado da Palestina
As primeiras propostas do BE visam o reconhecimento imediato do Estado da Palestina e o aumento do salário mínimo para 900 euros.
Salário em mil euros
O PCP também propõe o reconhecimento do Estado da Palestina, um aumento de 7,5% das pensões, um limite aos despejos e rendas e o salário mínimo imediato de mil euros.
Médico para todos
A IL apresentou cinco iniciativas, três das quais para revogar medidas do Mais Habitação. A outra é para desburocratizar e a última defende médico de família para todos.