Dezenas de câmaras estão a fazer orçamentos participativos que a CNE proíbe em ano de eleições
Comissão diz que iniciativa promove autarcas em ano de eleições e não é "admissível" por lei, mas há pelo menos 51 câmaras a fazê-lo. Gaia e Cascais dizem que é um disparate.
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A Comissão Nacional de Eleições (CNE) considera que a realização de orçamentos participativos em período próximo de eleições autárquicas não é "admissível", por violar a lei da publicidade comercial. Contudo, pelo menos 51 câmaras promovem-nos em 2021. O organismo alega que os orçamentos participativos podem servir de "promoção" dos autarcas em funções e não vê com bons olhos que os projetos aprovados transitem para o mandato seguinte. Os autarcas de Gaia e de Cascais, que têm essas iniciativas em curso, dizem que a CNE "desconhece o terreno".
Nos últimos meses, câmaras como a de Ovar ou de Ourém pediram à CNE um parecer sobre a implementação de orçamentos participativos em ano eleitoral. Em resposta, publicada em ata, a Comissão alerta para o risco de essas iniciativas servirem de veículos de "promoção, direta ou indireta", das autarquias e autarcas que as criam.
"Não somos nós que o dizemos, é a lei", explica o porta-voz da CNE, João Machado, ao JN. A única sanção para as câmaras transgressoras é a retirada da publicidade comercial, refere, aludindo à Lei 72-A/2015. A CNE realça que os orçamentos participativos se "prolongarão pelo período eleitoral e, eventualmente, pelo mandato seguinte". Assim, crê que estes violam os deveres de "imparcialidade", sobretudo se não forem "prática habitual" das autarquias.
O JN quis saber quantos municípios têm orçamentos participativos: das 123 respostas obtidas (em 308), 76 promovem-no, mas só 51 o farão este ano. O da Câmara de Cascais é um dos que têm maior dotação do país, com uma média de 3,8 milhões por ano na última década. Ao JN, o autarca local, Carlos Carreiras, considera que a posição da CNE revela "desconhecimento do terreno" e "afastamento da realidade dos processos".
Cascais tem a iniciativa mais participada em Portugal - com 69 766 votantes em 2019 - e, garante a Autarquia, a segunda mais participada da Europa, só atrás de Paris. Carreiras afirma que o mecanismo é fundamental numa altura em que "a democracia precisa de ser "redemocratizada"".
Para o autarca, a elevada participação dos cidadãos de Cascais desmonta os "mitos instalados" de que não há interesse pela política. "As pessoas não têm é interesse pela política que os partidos oferecem", refere.
Em Gaia, apenas existe um orçamento participativo para jovens dos 13 aos 30 anos. "Tive de fazer opções", justifica o autarca Eduardo Vítor Rodrigues, admitindo não poder consagrar-lhe uma "dotação financeira extraordinária" (são 360 mil euros). Assim, quis apostar nos jovens, que diz estarem "um pouco afastados da vida pública".
Eduardo Vítor Rodrigues também não compreende os pareceres da CNE, que classifica como "disparates". E sublinha: se houvesse limitações a que os projetos transitassem para o mandato seguinte, as câmaras arriscavam-se a não poder, sequer, mandar "asfaltar uma rua".
Tal como Carreiras, também o edil de Gaia considera este instrumento importante para "combater os populismos". A posição da CNE "não ajuda a credibilizar a democracia".
"verbas muito pequenas"
Fonte da Câmara de Esposende - uma das que não promovem orçamento participativo - refere que este mecanismo é muitas vezes usado "como forma de iludir as populações, dando-lhes uma sensação errada de poder de decisão". E grande parte tem "verbas muito pequenas".
Carreiras acredita que as autarquias que não impulsionam este instrumento têm "medo" de não conseguir executar os projetos. Mas, para Eduardo Vítor Rodrigues, a crítica às baixas dotações é "pertinente".
Das 123 câmaras que responderam ao JN, 76 promovem-no habitualmente e 47 não o fazem. Das 76, 51 fazem-no este ano e a maioria (31) consagra-lhe entre 5 mil e 50 mil euros. Só duas (Cascais e Oeiras) lhe atribuem mais de um milhão. Catorze só têm orçamento jovem e 12 adiaram-no devido à pandemia.
Há 15 câmaras a garantir que vão implementá-lo em 2022 ou 2023. Sete dizem que vai depender do resultado das eleições, em setembro.
SABER MAIS
Cascais tem o maior
Os orçamentos participativos com maior dotação são os de Cascais (média de 3,8 milhões na última década), Oeiras (2 milhões), Seixal (2,65 milhões entre 2020 e 2021) e Porto (1,09 milhões). O de menor dotação é o de Baião (5 mil euros).
Valores atribuídos
Das 51 câmaras que lançarão a medida em 2021, a maioria (25) atribui-lhe um valor entre 5 mil e 50 mil euros. Há 10 que dão entre 51 mil e 200 mil euros, nove que concedem entre 201 mil e 500 mil euros, duas que dão entre 501 mil e um milhão de euros e outras tantas que atribuem mais de um milhão. Há ainda três com quantias variáveis.
Porto dá às freguesias
O Porto chama-lhe "Orçamento Colaborativo". Fonte da Câmara disse ao JN que prefere delegar nas freguesias, por entender que elas têm "condições privilegiadas para melhor conhecer as populações". O último realizado foi no fim de 2020, com dotação total de 1,09 milhões de euros.
Setúbal não tem
Porto, Faro, Bragança, Leiria, Guarda e Viseu são as capitais de distrito que têm habitualmente orçamentos participativos. Lisboa, que não respondeu, também tem. Setúbal não tem, mas promove "vários processos participativos" por ano, que depois incorpora.