Análise da Fundação Francisco Manuel dos Santos alerta para impactos destrutivos em profissões onde predominam baixas qualificações e salários. Requalificação e adaptação dos currículos escolares e académicos serão determinantes na minimização dos efeitos
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A digitalização, nas suas formas de Inteligência Artificial (IA) e automação, ameaça praticamente 30% dos empregos em Portugal, pautados por baixos salários e qualificações. Com maior impacto nos distritos de Braga, Aveiro, Viana do Castelo e Viseu. Em sentido inverso, pouco mais de um quinto estarão a salvo, podendo mesmo ser alavancados pela IA, estando concentrados em Lisboa, Vila Real, Porto e Coimbra. Aos governantes, ficam os alertas: reforçar a Segurança Social, requalificar os profissionais em risco de colapso e adotar os currículos escolares a este admirável mundo novo.
A radiografia é feita por um grupo de investigadores do Instituto Superior Técnico, coordenado pelo professor catedrático Rui Baptista, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Mas, para se perceber as conclusões, importa explicar a metodologia. As profissões são distribuídas por quatro terrenos de digitalização, medindo-se a sua exposição à IA, do ponto de vista transformativo; e à automação, numa ótica destrutiva. Assim, temos as “profissões em ascensão” (elevado potencial transformador e baixo risco de destruição), no “terreno das máquinas” (potencial transformador, mas risco de automação), no “terreno dos humanos” (resilientes à digitalização) e as “em colapso” (baixo potencial transformador e elevada exposição destrutiva).
Sendo que as profissões em risco de destruição respondem por 28,8% do emprego – perto de um milhão de postos de trabalho -, tendo como características uma baixa percentagem de trabalhadores qualificados (6,3%) e com o Ensino Superior (5,4%) e como marca d’água baixos salários (mensal médio de 827,6€). Nesta categoria estão profissões como empregados de mesa e vendedores e os distritos com maior peso destes profissionais no emprego, acima dos 40%, são Braga, Aveiro, Viana do Castelo e Viseu.
Colapso na medida em que, lê-se no policy paper "Automação e inteligência artificial no mercado de trabalho português: desafios e oportunidades" a que o JN teve acesso, as funções afetas àquelas profissões têm “grande probabilidade de se tornarem obsoletas devido aos avanços tecnológicos”, correndo, assim, “sérios riscos de extinção”. Sendo essencial, sublinham, “uma requalificação e reconfiguração dos trabalhadores neste terreno (assim como no "terreno das máquinas") que lhes garanta possibilidades de mobilidade para profissões menos expostas aos efeitos destrutivos”. Por outro lado, e sendo recorrente a discussão sobre a sustentabilidade da Segurança Social, “os decisores políticos deverão desde já acautelar um cenário de pressão adicional sobre o sistema” previdencial, alertam os autores.
O que importa fazer
No extremo oposto, no patamar de ascensão, ou seja, de profissões “associadas a competências avançadas e à especialização tecnológica”, encontra-se 22,5% da força laboral, com 79% de trabalhadores qualificados, concentrados em Lisboa, Vila Real, Porto e Coimbra. Nesta categoria encontram-se, por exemplo, os professores e os especialistas em finanças e contabilidade. Já o “terreno dos humanos” – o mais representativo (35,7%) e com maior peso nos distritos do interior – estará menos exposto aos impactos. A boa notícia é que a requalificação dos trabalhadores em risco de colapso rumo ao “terreno dos humanos” poderá “ser mais simples” porque “possuem já algumas das competências requeridas”.
Contas feitas, “a larga maioria do emprego não está posicionada para desfrutar dos efeitos positivos que podem advir da complementaridade da IA com o trabalho humano”. Pelo que importa adotar “políticas públicas dirigidas” ao território, com “reforço da requalificação” e aposta “na reestruturação das economias locais”, nota, ao JN, o investigador Hugo Castro Silva. Sendo ainda urgente, no âmbito educativo, “rever os currículos escolares e académicos para incorporar a literacia digital”.
Recomendações
Criar incentivos
Para que se possa extrair o máximo de “efeitos positivos” da IA urge que a sua adoção “se faça a um ritmo acelerado, existindo, por isso, espaço para a criação de incentivos à sua adoção por parte das empresas”.
Requalificação
A requalificação “é necessária tanto para os trabalhadores como para os gestores, garantindo o seu alinhamento com as competências dos jovens qualificados e as necessidades do mercado”.
Encruzilhada
Os “decisores políticos devem procurar soluções que favoreçam a adoção das tecnologias enquanto criam mecanismos de proteção” dos trabalhadores.