Especialistas respondem a dez perguntas sobre direitos de autor em criações digitais.
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Porque é que os direitos de autor são tão complexos na era digital?
O Direito de Autor é muito sensível à evolução da tecnologia. A sua matriz é o livro. Veja-se nosso Código do Direito de Autor, onde o contrato mais regulado é o contrato de edição. Mas sempre assim foi. Ainda nos anos 50 do século passado o Cinema, como obra total, não era protegido no Reino Unido. Nos anos 80 do mesmo século, o software “miniaturizado” e acessível a todos foi disruptivo. Pela primeira vez, o DA que protege obras visíveis admitia proteger uma parte submersa da obra, no caso o código-fonte. Todos os problemas que vemos hoje entre o DA e a Tecnologia daí provêm.
Apesar de tudo o DA resistiu a muitas batalhas na Net, como aconteceu com o Napster. A verdade é que a oferta legal de música online, por exemplo, parece ter, em grande parte, vencido a batalha contra a pirataria. As próprias formas contratuais do open source é no DA que se acolhem em caso de conflito.
As novas leis impõem deveres às grandes plataformas no que respeita à utilização das obras protegidas pelo DA. Mas eis que surge mais um problema avassalador, a inteligência artificial. Já tínhamos obras ocultas, temos agora o desafio dos desafios, a obra sem autor. Os grandes gigantes como a Microsoft ou a Google propõem-se pagar as infrações detetáveis de DA pela utilização dos seus produtos IA, os tribunais nos EUA começam a decidir, ainda que sem uma tendência definida. Veremos como evolui o caso NYT. A Europa? Faz leis, como sempre, a sua “tecnologia” predileta. Sobreviverá o DA de Beaumarchais e La Fontaine? Sem querermos ser muito otimistas à Steven Pinker, talvez, quem sabe? Já resistiu tanto…
Manuel Lopes Rocha
Advogado
O que é o domínio público e como posso saber que obras estão abrangidas?
O Autor é o criador de obras do domínio literário, científico e artístico de cariz intelectual por qualquer forma exteriorizadas. Uma publicação periódica, jornal ou revista, é uma Obra composta por diversos artigos escritos por diversos autores. A necessidade de identificação do autor é premente, pois todos sentimos a necessidade de lhe ver atribuídos os créditos. Trata-se do reconhecimento de um direito e, consequentemente, da proteção dos criadores intelectuais.
A autoria moral e patrimonial, assente na possibilidade de escolha do criador na forma de utilização da obra, foi o que, no princípio do século passado, levou a que diversos países convencionassem tal proteção. Mas fará sentido que a proteção conferida se mantenha indefinidamente? Será que obras estruturantes para o pensamento moderno devem ser protegidas para sempre pondo em causa, em última análise, o seu acesso?
Estou certo que estas questões foram debatidas, no final do seculo XIX, na convenção de Berna ficando decidido, nas suas posteriores versões atualistas, que o direito de autor sobre uma obra não é eterno, caducando a sua proteção após o decurso de determinado prazo. Nesse momento, uma obra cai no domínio publico. Assim, tal ocorria nos cinquenta anos subsequentes à morte do criador intelectual.
No final do século passado, uma Diretiva Europeia alargou este prazo para setenta anos, mas para os titulares de um direito conexo, à exceção de uma circunstância, foram mantidos os cinquenta anos. Contudo, mesmo no domínio público, a utilização de uma obra carece de menção do nome do autor e devem ser respeitadas a integridade e a genuinidade das obras.
Em resumo, em regra, setenta anos após a morte do criador intelectual pode a sua obra ser utilizada livremente, desde que os requisitos que identificam o autor e a integridade da sua obra (ou seja, os seus direitos morais) sejam respeitados.
Carlos Eugénio
Diretor Executivo da Visapress
“Eu sou dono dos produtos que compro nas plataformas digitais?”
Importa, desde logo, recentrar a questão no que não é físico no mundo digital uma vez que aí existem plataformas onde se comercializam bens corpóreos e nessas a posse e a propriedade dos bens, normalmente, andam de mãos dadas.
No mundo digital, em tudo o que seja passível de ser regulado pelo direito de autor, não é bem assim.
A razão para tal prende-se com o facto de que o mundo digital encerra inúmeras possibilidades de multiplicação de conteúdos, sem controlo, levando à necessidade de inovar nos modelos de negócio.
Desde há muito que sabemos que parar o vento com as mãos é errado e depois de, investidas largas horas na criação de medidas de proteção, concluiu-se que as mesmas não se mostraram, totalmente, aptas na proteção dos conteúdos face à sua multiplicação ilícita.
No mundo desmaterializado do digital, não contando com as novas tecnologias de blockchain onde assentam por exemplo os NFT’S, o modelo de negócio para fazer face a tais multiplicações passou a assentar na disponibilização de acessos a conteúdos que, de outra forma, não se mostram acessíveis, permitindo assim ouvi-los e vê-los, na sua totalidade, por um período temporal e naquele formato/plataforma.
No caso das publicações periódicas, jornais e revistas, não existe diferença no modelo de negócio das plataformas de música ou vídeo, e o que o leitor adquire é a possibilidade de acesso e utilização do conteúdo e não à sua multiplicação. Acesso esse, a tal conteúdo, em ambiente digital, que é pessoal e intransmissível pois a autorização de utilização é concedida a uma pessoa específica.
Assim, qualquer partilha de tais conteúdos a terceiros sem autorização dos respetivos titulares de direitos, mesmo em redes privadas, ou qualquer outra utilização, é abusiva e ilegal, sendo considerada pirataria. Por isso não partilhe, assine jornais e revistas e contribua para uma imprensa livre, pluralista e democrática.
Carlos Eugénio
Diretor Executivo da Visapress
Eu sou dono das fotografias e vídeos que coloco no Instagram ou no TikTok?
Importa, desde logo, ressaltar que quer fotografias, quer vídeos poderão tratar-se de obras intelectuais, protegidas por direito de autor, desde que se tratem e criações intelectuais (humanas), do domínio artístico e por qualquer modo exteriorizadas.
No caso das fotografias, mostra-se necessário que pela escolha do seu objeto ou pelas condições da sua execução a mesma seja uma criação artística pessoal do seu autor.
Em regra, o direito de autor sobre uma obra pertence ao seu criador intelectual. Assim cabem-lhe tais direitos, sejam eles patrimoniais (com a atribuição de um exclusivo de utilização e exploração), sejam eles morais.
Mas quando tais obras são colocadas em redes/plataformas digitais como o Instagram ou o TikTok, tal mantém-se assim?
A resposta típica de um advogado a essa questão será: depende!
Importa, desde logo, verificar os Termos e Condições de cada plataforma digital que se pretende utilizar e na qual nos propomos introduzir obras (fotografias e/ou vídeos) de autoria própria. Caso não seja, então, tal apenas poderá ocorrer com a respetiva autorização (escrita) do titular de direito sobre as mesmas.
Assim, no caso do Instagram nada é alterado quanto à titularidade do direito sobre tais obras mas o autor ao carregar as mesmas em tal plataforma está a conceder-lhe uma autorização (licença) “não exclusiva, isenta de royalties, transmissível, passível de sublicenciamento e de aplicação mundial para alojar, utilizar, distribuir, modificar, executar, copiar, reproduzir ou exibir de forma pública, traduzir e criar obras derivadas dos teus conteúdos”.
Já no caso do TikTok, a situação é idêntica mas mais perniciosa na medida em que o utilizador renuncia e “se compromete a abrir mão de reivindicar qualquer direito moral”, circunstância ilegal, entre nós.
Em ambos os casos, contudo, autorização (licença) não é transmissão de qualquer direito de autor.
Gonçalo Gil Barreiros
Advogado, Sócio e Coordenador Nacional de Propriedade Intelectual e Privacidade na PRA - Raposo, Sá Miranda e Associados, Soc. Advogados, SP, RL
É ilegal partilhar jornais ou livros pelo whatsapp ou outras plataformas?
É definitivamente ilegal qualquer impulso à margem do direito exclusivo dos criadores intelectuais decidirem a extensão do uso e fruição das suas obras. Isto vale para qualquer forma de divulgação, partilha ou de acesso, desde logo livros e jornais. As utilizações livres admissíveis estão na lei e são de fácil pesquisa.
Este é um tema que gera tensão social, com resistência a uma abordagem estratégica que coloque os direitos autorais na pole dos direitos económicos, enquanto ativo fundamental das sociedades contemporâneas e decisivo no desenvolvimento cultural e socioeconómico.
Num mundo onde a comunicação instantânea e o acesso fácil e indiscriminado a obras protegidas são incontornáveis, é capital sermos seletivos e, acima de tudo, responsáveis.
Qual de nós não recebeu livros ou jornais por mensagens eletrónicas em grupos privados e quantos de nós renegámos a fonte?
E são tantos os que aderem a fóruns de partilha para se vergarem, num simples click, ao conforto de obras expostas num “harém”, onde salivam diante um banquete de livros, jornais mesmo sabendo que está tudo errado naquele espaço aberto por um qualquer anfitrião anónimo, de todos desconhecido.
Esta prática, que tantos dão por aceite, priva empregos de milhares de pessoas que investem numa informação livre, isenta e independente, em suma, que alimenta o nosso principal ativo de liberdade e de criticidade.
Quando alguém, em rede de mensagens privadas ou em espaço digital, partilha ou acede a livros ou jornais sem autorização dos legítimos detentores de direitos sobre as obras, está em modo crime.
Numa altura que nos deparamos com uma das mais graves crises nos media, em que assistimos a fenómenos de manipulação da informação, nunca antes vistos, devemos seriamente refletir sobre o nosso posicionamento perante esta crua realidade.
Apesar de tantas razões para interiorizarmos sobre o impacto da irresponsabilidade destas práticas, para os criadores, “Give me a little respect” é simplesmente elementar, como o deveria ser para todos nós.
Luís Silveira Botelho
Inspetor-geral das Atividades Culturais
O que são as licenças Creative Commons?
A Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas - Ato de Paris, concluída em 1971 e a que Portugal aderiu em 1978, declara entre outros princípios, no seu artigo n.º 9, que “Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução das suas obras, de qualquer maneira e sob qualquer forma.”
E foi este o mote que há mais de 20 anos, nos Estados Unidos da América, deu início à necessidade de indicação de uma forma rápida e sucinta no ambiente digital de como o criador de conteúdos digitais, desde programas informáticos a músicas, passando pelos e-books, filmes e publicações periódicas, queriam ver a sua criação utilizada/reproduzida.
A criação de um standard que auxiliasse os titulares de direitos a estabelecer limites de autorização de utilização foi, como já afirmado, o que levou a que fosse criada uma organização sem fins lucrativos, impulsionada na verdade pelos amantes do software livre e, por outro lado, que ajudasse a dar a visibilidade de tais prerrogativas aos utilizadores das obras.
A gratuitidade de aplicação desse modelo, o Creative Commons, foi a pedra de toque que levou a que a sua utilização rapidamente se espalhasse por toda a internet, impulsionada também pela facilidade de implementação e a certeza de que as utilizações daqueles conteúdos cumpriam e garantiam as regras de direito de autor.
É estimado que, desde a sua criação, mais de 2,5 mil milhões de conteúdos estão licenciados pelas licenças Creative Comuns.
Com este esquema de licenciamento, os autores podem facilmente ver os seus direitos sinalizados e bem assim escolher como querem que a sua criação seja utilizada.
Carlos Eugénio
Diretor Executivo da Visapress
Um NFT tem direitos de autor?
“NFT” é o acrónimo para a expressão inglesa “non-fungible token” (“ativo não fungível”). A utilização de NFT’s foi promovida pela tecnologia blockchain 2.0, que permitiu a tokenização de ativos e o registo desintermediado. Existem vários tipos de tokens e eles podem representar qualquer coisa, como mercadorias, ações ou moedas. De igual modo, qualquer obra digital é capaz de ser transformada num NFT, até mesmo físicas podem ser representadas em algum formato digital, seja por via de fotografia, vídeo ou digitalização. Ao cunhar uma obra como NFT significa que a obra é usada para gerar um único número que é inscrito na blockchain, usando-se uma assinatura digital para o efeito. É este método que permite dar “escassez digital” ao NFT, ser único.
Mas neste âmbito surgem diversas questões. A principal é a de se o adquirente de um NFT que representa uma obra fica com a titularidade intelectual da mesma. Levando em conta as quantias pelas quais estão a ser vendidos vários NFT’s, o senso comum poderá levar-nos a pensar que estamos a adquirir a titularidade dos direitos de autor sobre essas obras.
Porém, a resposta é negativa. Adquirir um NFT, que representa uma obra, não concede, em princípio, a titularidade dos direitos de autor sobre a obra representada. Questões técnicas e jurídicas acompanham este raciocínio. Desde logo, em princípio, o comprador do NFT está apenas a adquirir metadados em relação à obra representada e não a obra em si, ou seja, o NFT não é a obra em si, mas sim apenas um código escrito num blockchain e que contém vários bits de informação. Adicionalmente, a forma como é celebrada a transação levanta também questões respeitantes à solenidade exigida para a transmissão total dos direitos patrimoniais de autor que, pelo menos no ordenamento jurídico português, não se coaduna com a informalidade deste tipo de transações. No mais, dificilmente se conseguirá saber se tal consubstancia uma transmissão total ou apenas de algumas das faculdades de direitos de autor.
Outra questão paralela é a de saber se a geração de um NFT que representa uma obra protegida viola os direitos de autor. Esta hipótese não se trata de um mero exercício teórico. Já existem relatos de vários autores que se queixam que as suas obras estão a ser comercializadas como NFT’s sem qualquer autorização. Em 4 de janeiro de 2022, Aja Trier, uma artista digital que cria obras inspiradas em “A Noite Estrelada” de Vincent van Gogh, descobriu que as suas obras haviam sido cunhadas em 86 mil NFTs e estavam a ser comercializadas em várias plataformas.
Os defensores dos NFT´s encaram este como um mero URL. Sendo apenas um código que representa uma obra, argumentam que não existe qualquer infração aos direitos de autor. Contudo, a resposta contrária parece-nos clara: a transformação e a comercialização de NFT’s que representam obras protegidas constituem prerrogativas que fazem parte do conteúdo do direito de autor e, por isso, exigem a devida autorização do titular. Ao não o fazerem, estão claramente a violar os direitos de autor. Em suma, a mera existência de um NFT, sob o qual a sua propriedade é reivindicada e inscrita na blockchain, não significa que seja genuíno. A quantidade de conflitos que essa situação pode gerar ainda se encontra no seu estágio inicial. Adivinha-se um grande volume de litigiosidade sobre direitos de autor e NFTs. Mais duvidoso é, no entanto, a mera criação do NFT, sem ter qualquer obra digital associada. Neste caso, tendo em conta que o NFT é apenas um código, torna-se mais controverso a existência de infração aos direitos de autor.
Vítor Palmela Fidalgo
Advogado, Diretor jurídico Inventa, Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Quem detém a propriedade de uma imagem gerada por inteligência artificial?
A inteligência artificial é baseada em grandes quantidades de informação, recolhidas das mais diversas fontes e iteradas por forma a que o algoritmo encontre a probabilidade mais ínfima de acertar na resposta a dar, ou seja, o output ou saída da informação de determinado algoritmo de inteligência artificial é assente no encontrar da maior probabilidade de resposta correta.
Atendendo a este facto, devemos olhar para o que tem vindo a ser caracterizado ao longo dos tempos como autor. Os estudiosos do direito de autor a quem se efetua esta questão são unânimes na resposta: é sempre um humano!
Diversas defesas desta teoria são apresentadas, sendo que a que mais consideramos é a de que toda a construção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas - Ato de Paris é antropocêntrica, uma vez que toda a sua sustentação depende de prazos diretamente ligados à vida do autor.
Dito isto, acompanhando a ideia de alguns juristas, as imagens geradas por inteligência artificial têm proprietários. Estes existem quando pela sua intervenção direta na criação da imagem, como a escolha de variáveis introduzidas, seleção das sugestões criadas pelos algoritmos, entre outras, levam a que seja criada a imagem que estes idealizaram
dando corpo ao plasmado no 1.º Código de Direito de Autor Português de 1966, onde podemos ler, no seu artigo 1.º: “Chamam-se obras intelectuais as criações do espírito, por qualquer modo exteriorizadas”.
Se prova for feita de que a imagem é o espelho das criações do espírito de quem as idealizou, independentemente da forma como foram criadas, é para nós sem qualquer dúvida deste a titularidade do direito de autor.
Carlos Eugénio
Diretor Executivo da Visapress
Porque é que os jornais reclamam direitos de autor às plataformas de IA?
A resposta rápida é: porque as plataformas de IA usaram sem pagar os conteúdos dos jornais para treinar os seus sistemas. A explicação mais longa já obriga a explicar que a única forma que estes programas têm de responder às perguntas é adquirir conhecimento já expresso noutros locais. Para isso utilizam todo o tipo de formatos digitais (como livros, músicas, filmes, etc.), mas essencialmente recorrem à informação acessível online. E essa está disponível em sites como a Wikipedia, mas também - e em grande medida - nos meios de comunicação de referência, onde se destaca o “New York Times”.
Para justificar o processo junto das autoridades judiciais norte-americanas, o NYT teve de demonstrar que a OpenAI tem proveitos financeiros diretos com a utilização dos conteúdos do jornal no ChatGPT. E fê-lo ligando a popularidade da ferramenta à quantidade de informação que possui, explicando que grande parte dessa informação bebe diretamente de conteúdos exclusivos publicados no jornal norte-americano.
O NYT está longe de ser o único. Dezenas de publicações norte-americanas entraram com processos contra a OpenAI e a Microsoft pelas mesmas razões, criando uma potencial onda de condenações que pode destruir a viabilidade financeira da empresa. Mesmo que recentemente tenha feito acordos com outros, como a Associated Press e o grupo Axel Springer, o problema de base mantém-se: estes modelos de linguagem estão construídos de forma a que seja bastante difícil retirar conhecimento adquirido. Nesse sentido, comportam-se como humanos: mesmo que alguém decida esquecer um determinado livro ou artigo que leu, não o conseguirá fazer porque a sua memória (composta por circuitos neuronais) relaciona a informação de forma integrada.
Alguns analistas afirmam que estes processos podem pôr em causa a viabilidade comercial das aplicações de inteligência artificial; mas o desfecho mais provável é que se passe a integrar o respeito pelos direitos de autor efetivamente utilizados nos conteúdos que treinam estes sistemas.
Diogo Queiroz de Andrade
Jornalista e autor do livro “Algoritmos - uma revolução em curso
O chatGPT paga direitos de autor?
O “Le Monde”, prestigiado jornal francês, e a Prisa Média, reputado grupo de comunicação espanhol detentor de publicações como o “El País”, foram os últimos editores de imprensa a fecharem um acordo com a OpenAI, detentora do ChatGPT. No final do ano passado, tinha já sido noticiado que o grupo editorial alemão Axel Springer tinha sido a primeira organização no Mundo a unir esforços com a OpenAI e a integrar a tecnologia de inteligência artificial nas suas redações.
Estes acordos encerram em si mesmo um secretismo tal, que ninguém que não seja parte sabe qual o seu teor - ainda assim pelo empirismo que subjaz neste tipo negócios e pelo objeto noticiado do contrato, estou certo de que houve, sem qualquer sombra de dúvida, um licenciamento de utilização dos conteúdos produzidos por aqueles editores de imprensa, que desta forma contribuem para o enriquecimento do algoritmo utilizado.
O ChatGPT tem por base modelos de aprendizagem de linguagem, vulgarmente chamados de grandes modelos de linguagem (LLM). Para que estes algoritmos tenham sucesso são necessárias, entre outras, entradas de grandes quantidades de texto de uma língua específica, ou seja, para cada língua é necessário ter uma base de dados com uma quantidade significativa de textos retirados de livros, jornais, internet entre outros.
Sendo este um aplicativo que hoje tem um fim lucrativo, para que o seu sucesso seja pleno cumpre obter a melhor qualidade de texto possível, em todas as suas vertentes. E assim, estou certo de que também pela imposição do novo Direito Europeu com o AI Act, a OpenAI está a adiantar-se e a efetuar estes acordos que permitem que as línguas mais faladas no Mundo sejam alimentadas com a maior qualidade possível e dentro da legalidade.
No caso do português, oitava língua mais falada no Mundo, atrás da espanhola e da francesa, estou certo de que estará próximo o licenciamento desta organização junto dos editores de imprensa nacionais, até porque as regras que em Portugal vigoram no que respeita ao jornalismo e à inerente qualidade e quantidade de produção de conteúdos, sem equacionar as questões relativas à atualidade, fazem deste conteúdo um valor acrescentado para quem alimenta algoritmos de IA.
A resposta mais direta à pergunta é, então, sim paga, mas ainda não, que se conheça, em Portugal.
Carlos Eugénio
Diretor Executivo da Visapress