País está agora nos 29,7 óbitos por um milhão de habitantes. Mortalidade pressiona faixa acima dos 80 anos. Analisando outros indicadores, situação está controlada, dizem peritos.
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O aumento da incidência nas faixas etárias superiores inverteu a tendência decrescente da mortalidade por covid, afastando-nos do limiar de 20 óbitos por um milhão de habitantes que deverá ditar o levantamento das restrições. Concretamente, o fim do uso de máscaras em espaços fechados. Aquela métrica está, agora, nos 29,7/milhão, ainda em fase crescente. Contudo, sublinham os especialistas ouvidos pelo JN, importa olhar o conjunto dos indicadores. E estes mostram uma situação controlada. A decisão, essa, será sempre política.
Os cálculos do matemático Carlos Antunes apontam, a 29 de março, para 29,7 óbitos em 14 dias por um milhão. Numa subida média de "1,3% ao dia". Os dados desagregados por faixa etária de Óscar Felgueiras, que modela também a pandemia desde o seu início, mostram uma pressão nos mais de 80 anos. A média a sete dias calculada a 28 de março apontava para 17 óbitos, quando na semana anterior estava nos 15,3, num acréscimo de 11%. Já nos 70-79 anos registava-se uma descida de 14%.
Para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes é preciso "perceber por que está a acontecer". Tanto que, em março, em termos absolutos, "os 80 anos representavam 73% dos óbitos [por covid], quando em fevereiro eram 66%". A incidência, explica ao JN, anda na ordem dos 600 casos diários. "O número de mortes tem vindo a carregar mais acima dos 80 anos".
Porquê? Carmo Gomes levanta hipóteses. Desde logo, o facto de terem corrido "já quatro meses sobre a dose de reforço". O que pode apontar para uma eventual perda de eficácia vacinal. Depois, a gripe A, apesar do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge reportar, desde o início da época, apenas 48 casos de coinfeção por gripe e SARS-CoV-2. Contudo, como sublinham, é preciso ter em conta a menor população em estudo pelas redes sentinela. Sendo que um recente estudo publicado na revista "The Lancet" veio revelar que doentes com coinfeção têm um risco de morte 2,4 vezes superior do que se tivessem apenas covid. Acrescentando os matemáticos ainda outra hipótese: reflexo do aumento de casos por altura do Carnaval.
Situação "controlada"
Mas não se pode olhar à situação epidemiológica atentando, apenas, à mortalidade. Tanto mais que, explicam estes especialistas, indicadores como incidência e ocupação hospitalar estão controlados. Devendo também ter-se em conta, vinca Carmo Gomes, que, em meados de fevereiro, quando entramos no nível 1 de restrições, tínhamos "um nível muito alto - 61,1 óbitos por um milhão". Não "atingimos" a meta, "mas não estamos muito longe dela".
E os dados dizem-nos que, em termos de ocupação hospitalar, distamos muito do limite crítico de 255 camas em Cuidados Intensivos - andamos na casa das 60. E a incidência segue tendência de descida, numa média a sete dias por 100 mil habitantes de 678. "Os valores que foram fixados no passado estão desfasados da realidade atual, em que há uma circulação muito maior, mas a gravidade é muito menor", diz Óscar Felgueiras. "A situação está bastante controlada. Creio que não se deve pôr demasiado peso neste indicador [óbitos] quando tudo o resto está controlado".
Com os dados disponíveis, a mortalidade "dificilmente baixará nas próximas duas a três semanas" abaixo dos 20 óbitos/milhão, diz. E para que isso aconteça, completa Carlos Antunes, "o número médio de casos dos 80+ tem que vir dos atuais 640 casos/dia para baixo dos 450 casos/dia". A boa notícia, é que já deixou de subir.
O que diz a tutela
"Esperar com tranquilidade", dizia, na semana passada, o secretário de Estado da Saúde, lembrando que a meta que permite chegar ao nível zero não havia sido ainda atingida. Na altura, estávamos nos 25 óbitos/milhão. O JN questionou ontem o Ministério da Saúde, nomeadamente sobre uma possível alteração do limiar, mas não obteve resposta em tempo útil.
O que é o nível zero
Atingida a meta, preconiza-se apenas a promoção de máscara perante sintomas ou perceção de risco. A DGS apontou o dia 3 de abril, próximo domingo, mas vincou ser uma projeção.
Coinfeção mais do que duplica risco de morte
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Um artigo publicado há uma semana na revista "The Lancet" revelou um risco aumentado de morte em doentes com infeção por SARS-CoV-2 e gripe. "A coinfeção foi associada a um aumento da probabilidade [4 vezes mais] de necessidade de suporte ventilatório e de morte [2,4 vezes]". O estudo teve por base uma amostra de 227 doentes com SARS-CoV-2 e influenza internados em hospitais do Reino Unido entre 6 de fevereiro de 2020 e 8 de dezembro de 2021. Alertando os investigadores que "à medida que as restrições são levantadas, aumenta a probabilidade de coinfeções no inverno", sugerindo a testagem à gripe de doentes internados com covid.