Conflito de há 45 anos recordado por protagonistas. Da política aos militares, viagem a um período conturbado, com a militância ao rubro e ainda sem Constituição.
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Dia 25 de novembro de 1975. Na capital, o duelo que opôs militares de extrema-esquerda e "moderados" ditou a normalização democrática do país. Ouvido o Conselho de Revolução, o presidente da República Costa Gomes decretou o estado de sítio, com incidência na Região Militar de Lisboa.
Em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC), entre o golpe militar de abril de 1974 e a aprovação da Constituição, dois anos depois, a adoção de medidas de exceção, entre as quais o recolher obrigatório, durou até 2 de dezembro de 1975, ou seja, pouco mais de uma semana.
Manuel Duran Clemente, que era então segundo-comandante da Escola Prática de Administração Militar, ouvido pelo JN, realça que a atual situação é incomparável com o estado de sítio de há 45 anos.
"Lutava-se por direitos e conquistas. Era um problema nacional. Agora é uma questão de saúde, à escala global", frisa o antigo militar, de 77 anos, que esteve nos estúdios da RTP, ao Lumiar, em Lisboa, no "25 de Novembro".
"Nem havia ainda Constituição. O poder resolveu evitar reações ou manifestações consideradas revolucionárias, o que podia acontecer dado que as pessoas foram enganadas", refere Duran Clemente, salientando não ter havido "nenhum golpe de forças revoltosas, mas um aproveitamento de uma ação isolada dos pára-quedistas de Tancos" e aí o anunciado golpe de certas forças "foi uma cortina de fumo para o poder ter nas mãos um instrumento para prender pessoas, militares e obrigar ao recolher obrigatório".
Duran Clemente esteve até janeiro do ano seguinte como clandestino, refugiado em casa de amigos, em Lisboa, e depois na companhia de Varela Gomes e Costa Martins, algum tempo no estrangeiro, até voltar a Portugal.
Manuel Alegre, de 83 anos, poeta e político, que em 1975 era o responsável pela segurança e mobilização do Partido Socialista, sublinha que "antes do confronto militar houve a questão política". "As restrições duraram poucos dias, mas havia uma fratura. Metiam-se 100 mil pessoas na rua, dos dois lados, num instante. Agora querem é que nos afastemos... É incomparável", diz o histórico dirigente do PS.
Apesar da agitação no país e Lisboa no centro das atenções, Manuel Alegre recorda que esteve na rua, contactando com camaradas, e que viajou para o Porto, onde se encontrou com correligionários. "A situação militar resolveu-se com bom senso e as forças políticas foram decisivas. Agora, ainda pode ser mais fácil, porque o país está unido", compara o antigo candidato à presidência da República.
Sem quarentena
Jorge Carvalho, matosinhense que foi o último preso libertado pela PIDE no Porto após o 25 de Abril, era militante do PCP e, em 1975, esteve reunido em Lisboa com camaradas. "Houve a intervenção militar, mas era sobretudo uma luta política. Fazia-se a vida quase normalmente, sem quarentena, nem problemas de saúde", destaca este assumido "lutador antifascista", de 73 anos.
"Era rebelde e lutava por melhorar a vida das pessoas. Mas, nos vários setores, não houve paragens de laboração", realça Jorge Carvalho.
Vicente de Moura, 82 anos, antigo presidente do Comité Olímpico Português, era primeiro-tenente da Armada. Ao JN, diz que o período conturbado que espoletou o "25 de Novembro" foi "momentâneo" e acabou por não ditar grandes danos, apesar de ter havido três mortos. "As pessoas obedeceram. Politicamente, o país estava diferente, mas houve bom senso e isso será também essencial nesta pandemia", salienta.
O comandante na reforma recorda que chegou a estar dois meses sem sair do mar, pelo que a quarentena a que já se submeteu "não custa tanto e é um constrangimento necessário". "Vai ser duro, mas espero que o país consiga sair bem, como em 1975", conclui Vicente de Moura.
Dados
3700 escudos
O salário mínimo nacional, em 1975, era equivalente a 18,5 euros de agora. A inflação média rondava os 15%.
Principais figuras estatais
Francisco Costa Gomes, marechal do exército, era o presidente da República, na altura do 25 de Novembro. Pinheiro de Azevedo, conhecido pelo cognome de "O almirante sem medo", era o primeiro-ministro.
Abstenção quase inexistente
A 25 de abril de 1975, meio ano antes do 25 de Novembro, realizaram-se as primeiras eleições livres em Portugal, com altos índices de participação (91,6%). Era esse o quadro político que vigorava na altura da instauração do estado de sítio. PS (37,8%), PPD (26,3%), PCP (12,4%), CDS (7,6%) e MDP (4,1%) eram as maiores forças partidárias na Assembleia da República.