Maioria das recriações históricas ocorre no verão. Há fins de semana com várias festas em simultâneo.
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Do Norte ao Sul, os fins de semana enchem-se de espadas, mantos e sons de alaúdes. Há festas para todos os gostos – algumas com entrada livre, outras a cobrar tributo – que transformam cidades, vilas e aldeias em verdadeiros palcos do passado. Entre feiras, batalhas encenadas e duelos de palavras ou aço, o medieval está na moda. Com mais ou menos rigor histórico, estes dias de folia aquecem as economias locais, devolvem vida aos castelos e outras fortalezas, e mantêm viva a chama da História de Portugal.
É com a “forte relação com a história de Lamego” que o presidente da Câmara, Francisco Lopes, justifica a realização da Feira Medieval da cidade, que atrai uma grande enchente ao redor do castelo e do respetivo bairro – um “cenário magnífico para um evento deste género”. A feira faz alusão às “primeiras cortes de D. Afonso Henriques e à fundação da nacionalidade”, motivo de “orgulho” para o município.
Segundo o autarca, Lamego tem sido “muito visitado” graças a este e a outros eventos, tendo ultrapassado os 100 mil visitantes no castelo e na cisterna. Um número que, afirma, “está ao nível de muitos museus do país”. O crescimento obrigou à atualização do programa museológico. Explica que “tinha alguns elementos informáticos que ficaram desatualizados ao longo do tempo e também eram muito utilizados por crianças, sobretudo nos jogos com armas medievais”.
Também em Carrazeda de Ansiães, a vertente turística e económica está na mira da organização do Torneio Medieval de Ansiães. A iniciativa visa atrair locais e visitantes à vila amuralhada, promovendo a visita à Igreja de São Salvador, situada no seu interior. “Visitar estes monumentos ímpares é uma experiência única”, destaca o presidente da câmara, João Gonçalves. Apesar de não existirem dados concretos sobre o impacto económico do evento, garante que há “mais movimento na hotelaria e na restauração” e que a visibilidade do concelho se traduz num “aumento contínuo do número de turistas”.
A Recriação Histórica da Batalha de Castelo Rodrigo, promovida pela Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, é outro exemplo do potencial das iniciativas medievais. O evento celebra a vitória portuguesa de 1664, durante a Guerra da Restauração da Independência, com a encenação da “Batalha Final” na aldeia de Mata de Lobos. Carlos Condesso, presidente da câmara, descreve a iniciativa como “um autêntico regresso ao passado”, que além de “valorizar a história”, contribui para o concelho atrair anualmente “mais de 300 mil visitantes”, o que “dinamiza significativamente a economia local”.
Habitantes são parceiros
Além dos residentes nas localidades onde decorrem as feiras medievais, é de turistas que se faz o maior movimento de pessoas. O presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal, Luís Pedro Martins, realça o exemplo da Viagem Medieval em Terras de Santa Maria da Feira, que este ano se realiza de 30 de julho a 10 de agosto: “fecha-se um espaço urbano, tendo como parceiros os habitantes a alinharem na estratégia e depois chegam milhares de pessoas de todo o país e do estrangeiro. É um grande produto turístico.”
Olhando apenas para o público de outros países, destaca o proveniente de “nações que não viveram a Idade Média”. Por exemplo, “os Estados Unidos da América são bem mais recentes do que a História de Portugal que se apresenta nas feiras medievais”. Não admira que para “canadianos, americanos, brasileiros”, entre outros, estes eventos tenham “muita atratividade”, sublinha Luís Pedro Martins, desde que realizados nas “condições em que Santa Maria da Feira o faz, ou seja, com grande qualidade”.
O presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal acentua a necessidade de apostar em “muito rigor histórico”, com “as roupas, a gastronomia, as batalhas e as experiências a condizerem com aquela época.” De lado fica a hipótese de se colocarem à venda, por exemplo, bebidas ou comidas que não existiam na Idade Média, como refrigerantes famosos na atualidade ou pacotes de batatas fritas.
O rigor histórico é um dos aspetos em que o historiador Vítor Nogueira coloca mais ênfase. “Devia sempre questionar-se a veracidade dos factos históricos em que se assenta determinada animação”, sublinha. O historiador de Vila Real revela que, na Idade Média, “eram raríssimas as terras que tinham uma feira”. Era um evento tão controlado pelo próprio poder central, que “em 1369, para defender uma feira que havia em Vila Real, D. Fernando I proibiu uma que começou a fazer-se em Vila Pouca de Aguiar, sob pena de morrerem por ela os que a usassem ou consentissem que se fizesse”.
Criação de empregos
Salvaguardando algumas iniciativas no país que “procuram ser mais rigorosas do ponto de vista histórico, quer na recriação, quer no local em que se posicionam”, o historiador é da opinião de que se está, “infelizmente”, perante “mais uma moda”, que até pode ser considerada “parecida com a dos miradouros e com a dos passadiços”.
Uma moda que além de animar a economia das localidades onde são realizadas, fez nascer várias empresas, que geram emprego, para darem corpo às recriações históricas.
Vera Rebelo, presidente da Companhia Livre, sediada em Aljubarrota e com filial em Lisboa, frisa o “rigor histórico” do trabalho desenvolvido, até com a ajuda de um consultor especializado na área, com o foco no século XIV, mais especificamente nos anos de 1383 a 1385. “Especializamo-nos na Batalha de Aljubarrota e nas guerras da independência de Portugal”. Colaboram na associação “32 pessoas que têm gosto pela História”, que desenvolvem “14 ofícios” daquela época, que são aprendidos numa escola formada para o efeito. Quando precisam contratam fora outras pessoas.
A Cryseia, com sede em Lamego, organiza eventos de época, nomeadamente feiras medievais – Lamego e Torre de Moncorvo são alguns exemplos – e, segundo Rui Oliveira, um dos administradores, “têm em sempre por base um cariz histórico, ou seja, há ali uma fundamentação”. Tal como as decorações, roupas, armaduras e afins, que também são adaptadas ao contexto. “Temos projetos em que há mais de 200 pessoas a trabalhar em simultâneo”, realça. A maior parte é contratada evento a evento, já que há “muitas companhias e atores de teatro disponíveis para trabalhar neste tipo de projetos”.
Calendário
Festa de Tomar, 10/13 julho
Recria a época medieval e celebra a história da Ordem dos Templários. Recriações históricas, visitas, seminários, mercados e concursos.
Mercado S.P. de Sintra, 10/13 julho
Na Praça D. Fernando II será recriado o ambiente da Idade Média.
Festival de Elvas, 10/13 julho
O programa tem animação de rua, falcoaria, danças, treino de guerreiros e passeios de camelo.
Feira de Mões, C. Daire,11/13 julho
Recria uma atmosfera com trajes, artesanato e gastronomia. Os locais e turistas podem experimentar a herança medieval da vila de Mões.
Feira Mindelo, V. Conde, 11/13julho
Espetáculos ao vivo, mercado de artesanato, danças e sabores medievais.
Recontro de Valdevez, 11/13 julho
É recriado o encontro dos exércitos de Afonso Henriques e de Afonso VII de Leão e Castela, em 1141.
Mercado de Óbidos, 17/27 julho
São 11 dias de festa para reviver a lendária história de amor de D. Pedro e D. Inês de Castro.
Constantim, Vila Real, 19/20 julho
Recria o ambiente medieval, com atividades e produtos típicos da época.
Viagem S.M. Feira, 30 a 10 de agosto
Na zona do castelo, é o maior evento de recriação medieval da Europa.
Aljubarrota, 14/17 agosto
Oportunidade para descobrir um pouco da nossa História revivendo-a no local que deu o nome à batalha que afirmou a independência de Portugal.