Anualmente, cerca de 2600 doentes iniciam diálise em Portugal, dos quais perto dos 85% realizam hemodiálise e uma proporção mais reduzida diálise peritoneal. No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tem-se registado um aumento dos que necessitam deste tratamento. Portugal é o país europeu com mais doentes a entrar em diálise por ano.
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O diretor do Serviço de Nefrologia e de Transplantação Renal do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHLN), José António Lopes, alerta que é fundamental apostar no diagnóstico precoce que deve começar por "uma maior sensibilização da prevalência da doença renal crónica junto da comunidade médica".
"Com o passar da pandemia, tenho verificado que efetivamente há um número crescente, pelo menos no nosso hospital, de doentes que estão a iniciar tratamento por diálise", adianta, ao JN, José António Lopes, a propósito do Dia Mundial do Rim, que este ano se assinala a 9 de março. A maioria está numa fase avançada que necessita de fazer hemodiálise até ao fim da vida ou até serem transplantados, sublinha.
De acordo com o último relatório do Gabinete do Registo da Doença Renal Crónica da Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN), sobre os dados de 2021, Portugal é o país europeu com mais doentes a entrar em diálise por ano e o 8.º país do mundo com os piores números. Dos 20 mil doentes que estão a ser acompanhados em Portugal, "60% estão em hemodiálise e 35% são doentes transplantados renais. Portanto, estamos a falar de 12 mil doentes em hemodiálise, sete mil transplantados renais, e mais ou menos 3 a 4%, ou seja, pouco mais de 800 estão em programa de peritoneal", salienta o nefrologista.
Forte impacto social e no trabalho
Além dos impactos na saúde, mesmo em estados mais precoces, a doença renal crónica "altera em muito a qualidade e a esperança de vida dos doentes comparativamente à população que não tem alteração da função dos rins", alerta José António Lopes. "É uma doença com um forte impacto em termos psicossociais, desde logo porque o doente sente que está dependente de uma máquina para viver, durante um período que, tirando os casos de transplante de dador vivo, não sabe até quanto estará dependente e que pode ser até ao final da sua vida", refere.
Além disso, estes doentes têm uma maior necessidade de absentismo ao trabalho, não só pela sua condição física, como também pelo próprio horário das sessões de diálise e uma maior necessidade de hospitalização, explica José António Lopes. "Obviamente que isto depois também altera muitas das vezes a própria dinâmica familiar".
Diagnóstico precoce deve ser o primeiro passo
Devido à ausência de sintomas, a maioria dos casos são descobertos numa fase avançada. Para o nefrologista, é fundamental adotar o diagnóstico precoce, através da realização de análises à urina, antes de a doença chegar às suas formas mais graves. Por isso, José António Lopes defende que prevenção deve passar uma maior sensibilização da prevalência da doença, em especial dos médicos de medicina geral e familiar, uma vez que são aqueles que cuidam da maioria da população. "É preciso ter presente que uma em cada dez pessoas tem algum grau de doença renal", alerta.
Por outro lado, José António Lopes refere que, nos últimos anos, o surgimento de uma nova classe de fármacos no mercado trouxe "uma nova luz ao fundo do túnel" ao permitir identificar a progressão da doença e consequentemente evitar a sua evolução para o tratamento por diálise e até mesmo a mortalidade dos doentes.
As recomendações passam por adotar hábitos de vida saudável, como praticar exercício físico, evitar a obesidade e a diabetes, ao controlar o peso e a pressão arterial, evitar o consumo de sal e de bebidas alcoólicas e deixar de fumar, aponta o médico.
Custam 80 mil euros por ano
Por seu turno, o tratamento das pessoas com doença renal crónica representa 2 a 6% do orçamento dos cuidados de saúde. Estima-se que cada doente custe 80 mil euros ano ao Estado num preço compreensivo que cobre "a totalidade do tratamento, desde os cuidados clínicos e medicamentos, transportes - porque o doente tem que ser transportado três vezes por semana para a unidade de diálise -, acessos vasculares e exames complementares", explicou José António Lopes. Em Portugal, cerca de 90% dos doentes fazem diálise em unidades privadas, convencionadas com o Serviço Nacional de Saúde, os restantes 10% são acompanhados nos hospitais públicos, avançou.
A maioria dos portugueses que sofrem da doença é idosa e têm outras doenças associadas. "Não esquecer que 80% destes doentes são hipertensos e mais ou menos 40% são diabéticos, as duas principais patologias associadas ao aumento da morbilidade cardiovascular na população em geral e de grande incidência numa doença como a doença renal crónica".
Via verde para o transplante
José António Lopes avançou ainda que já foram transplantados mais de 20 doentes desde que o Serviço de Nefrologia do Hospital Santa Maria adotou, no início de novembro do ano passado, um sistema de via verde. "Com este processo de agilização, o doente é sinalizado rapidamente à nefrologia desde que chega ao serviço de urgência. Em vez de demorar 4 a 5 horas em algum bloco operatório, ao fim de uma hora e meia, duas horas, está perfeitamente apto para o transplante".
Estima-se que a doença renal crónica afeta uma em cada dez pessoas em todo o Mundo. Em Portugal, os últimos dados conhecidos apontam para uma prevalência de 20%, isto é, que um a dois milhões de pessoas tenha a doença, o que corresponde ao dobro da média mundial.