O Governo decretou ontem a requisição civil de enfermeiros em quatro hospitais afetados pela "greve cirúrgica", mas os profissionais não vão desarmar.
Corpo do artigo
Preparam já novas formas de luta que podem passar por faltar ao trabalho, deixar de fazer horas extra ou não realizar cirurgias de recuperação de listas de espera. A segunda "greve cirúrgica" que está a afetar sete centros hospitalares estende-se hoje a mais três. O movimento que está por trás destes protestos programou concentrações junto a várias unidades de saúde logo pela manhã.
António Costa avisou, no início da semana, que ia recorrer a todos os meios legais para travar esta greve, que qualificou como "selvagem". E ontem o Governo aprovou em Conselho de Ministros a requisição civil de enfermeiros, cuja portaria publicada ao final da noite tem efeitos imediatos e fica em vigor até ao dia 28 de fevereiro de 2019.
A portaria requisita os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu "que se mostrem necessários para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos" definidos pelo tribunal arbitral.
De fora, ficaram os hospitais de Gaia, Braga e Garcia de Orta. Até 28 de fevereiro, poderá haver mais portarias, em função da necessidade e numa lógica de proporcionalidade, a delimitar o âmbito da requisição civil, explicou o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes. A ministra da Saúde disse que "não teve outra alternativa" e explicou que a requisição resulta do incumprimento dos serviços mínimos.
Cirurgias suspensas
Ainda ontem de manhã, segundo contou ao JN fonte médica do Hospital de São João, no Porto, duas doentes oncológicas do serviço de ginecologia que cumpriam os critérios para "serviços mínimos", e que suspenderam a quimioterapia, não foram operadas. Contactada, aquela unidade hospitalar remeteu para o Ministério da Saúde, que ao início da tarde anunciava a requisição civil.
A decisão surge após vários médicos terem denunciado que os serviços mínimos decretados para a segunda "greve cirúrgica" não estavam a ser cumpridos, com cirurgias de doentes considerados prioritários, como os oncológicos, a serem adiadas. Em resposta, os enfermeiros apontaram o dedo ao ministério, que, garantem, ordenou às administrações hospitalares que todos os agendamentos fossem de doentes prioritários, naquilo que consideraram ser um boicote à greve e que já foi alvo de queixa à Procuradoria-Geral da República.
O diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário do Porto foi o primeiro a denunciar o problema. Na terça-feira, José Barros afirmava à Lusa que apenas cinco dos 26 doentes "prioritários" foram operados, dos quais quatro eram oncológicos. Seguiu-se o Centro Hospitalar Tondela Viseu, com a diretora clínica Helena Pinho a declarar que na terça-feira "não foram operados sete doentes que cumpriam os serviços mínimos" e na quarta-feira "também não".
Ontem, em resposta ao JN, o Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga assegurou que até quarta-feira ficaram por realizar 38 cirurgias com critérios para "serviços mínimos". Também o presidente da Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos, António Araújo, afirmou, a meio da semana, que doentes oncológicos do S. João, Santo António e Gaia não estavam a ser operados.
Os sindicatos que convocaram a greve vão mantê-la e discordam das acusações. "Não a vou desconvocar. A greve, na prática, foi esvaziada por uma ação do Governo", referiu Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Enfermagem. Carlos Ramalho, do Sindicato Democrático dos Enfermeiros, garantiu que os profissionais podem provar que "é falso" que as cirurgias não estavam a ser feitas.
SABER MAIS
Mais três hospitais afetados
A segunda "greve cirúrgica", que se deverá prolongar até 28 de fevereiro, é hoje alargada a mais três centros hospitalares: Coimbra, Lisboa Norte e Setúbal.
Marcelo aceita decisão
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apontou problemas legais ao "crowdfunding" que está a financiar as greves dos enfermeiros e não contestou a decisão do Governo de recorrer à requisição civil justificada com o incumprimento dos serviços mínimos.
O que é a requisição civil?
É um instrumento que está na legislação desde 1974 (Decreto-Lei 637/74). Para ser acionado, tem de ser decidido em Conselho de Ministros e efetivado por portaria.
Para que serve?
Como refere o decreto-lei, a requisição civil serve para "assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional".
O que diz a lei?
A requisição civil tem um "caráter excecional" e só deve ser usada em "circunstâncias particularmente graves".
Como vai ser usada?
As associações sindicais têm 24 horas para designar os enfermeiros necessários a assegurar a realização dos serviços mínimos. Na falta de designação dos enfermeiros, compete ao conselho de administração requisitar os enfermeiros necessários.
E se não for cumprida?
A requisição civil não dá direito a qualquer indemnização. Em caso de incumprimento, pode dar lugar a um processo disciplinar e até a uma acusação de crime por abandono de funções.
Quantas vezes foi usada?
A primeira vez foi em 1976 precisamente por causa de uma greve de enfermeiros no Sul do país. Foi a única requisição civil na área da saúde. Desde então, houve cerca de 30 requisições civis, a maioria nas áreas dos transportes, justiça e comunicações.