Doentes recusam sair das urgências mesmo com consulta marcada nos centros de saúde
Maioria dos projetos de reencaminhamento dos doentes não urgentes para os cuidados primários falhou. Mas há hospitais a retomar as iniciativas.
Corpo do artigo
Os projetos de reencaminhamento de utentes, com pulseiras azuis e verdes, das urgências para os centros de saúde, com consulta no próprio dia ou no dia seguinte, falharam. Essencialmente, porque os doentes recusam sair do local onde acreditam que terão melhor resposta ao seu problema. Ainda assim, há vários hospitais a manter ou a retomar as iniciativas para terem uma alternativa a quem não quer esperar horas para ser atendido.
Nos primeiros três meses deste ano, o Hospital de S. João convenceu apenas um doente a ir ao centro de saúde. No início, em janeiro de 2020, a adesão era superior, mas sempre muito aquém do esperado. "No primeiro mês encaminhávamos um doente a cada quatro dias", revela Nélson Pereira, diretor da Urgência do S. João.
O facto de já estarem no hospital e não quererem fazer nova deslocação e a falta de exames nos centros de saúde são as principais barreiras. "O projeto cai pela raiz porque não corresponde às expectativas das pessoas", nota Nélson Pereira. Ainda assim, está ativo "porque se o doente quiser ir é bom", mas não entusiasma utentes nem profissionais.
Há anos que se estudam soluções para reduzir a procura das urgências e há novas ideias a surgir. Miguel Soares de Oliveira, ex-presidente do INEM, defende respostas alternativas, para que o doente não seja sempre despejado na Urgência e possa ser observado em casa (entrevista na página ao lado).
Interrompidos pela covid
Inserido no projeto SNS+Proximidade, o piloto arrancou em 2016 nos hospitais de Barcelos e da Póvoa de Varzim/Vila do Conde. O primeiro foi exceção, o segundo confirmou a regra.
Em Barcelos, os doentes não urgentes representavam 53% dos atendimentos da Urgência. Depois de triados, eram convidados a ir ao centro de saúde onde tinham uma vaga para consulta no próprio dia ou no dia seguinte. "Conseguimos reencaminhar cerca de três mil doentes e baixar os não urgentes para 47%", afirma, ao JN, Joaquim Barbosa, presidente do Conselho de Administração. O projeto foi interrompido pela pandemia e deverá ser retomado em abril ou maio.
O Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila de Conde tem cerca de 80 vagas disponíveis por dia nos centros de saúde, mas reencaminha menos de um doente por dia. Apesar de 40% dos casos que chegam à Urgência serem de baixa prioridade. "O projeto tem muitas virtudes, mas pouca adesão", assume Gaspar Pais, presidente do Conselho de Administração. Ainda assim, o hospital vai mantê-lo "para dar opção ao doente".
O Hospital de Gaia tentou replicar o projeto de Barcelos no início de 2020, mas foi "atropelado pela pandemia". O presidente - era administrador em Barcelos quando o projeto arrancou -, acredita na sua utilidade e já retomou a articulação com um dos Agrupamentos de Centros de Saúde. "Já temos vagas para consultas presenciais", disse Rui Guimarães.
Em Leiria, o projeto começou em 2019, mas também "não obteve os resultados esperados, sobretudo devido à fraca adesão de algumas unidades dos Cuidados de Saúde Primários e dos utentes". Foi interrompido pela pandemia, mas há vontade de retomá-lo.
Em resposta ao pico de procura, a Unidade Local de Saúde de Matosinhos anunciou há dias que iniciou o reencaminhamento de utentes da Urgência do Hospital Pedro Hispano.
O JN contactou o Hospital de Santo António sobre a articulação com os centros de saúde, mas não obteve resposta.