Dois Anos de Pandemia: "Senti medo no início e isso marcou a minha vida profissional"
Equipas da Unilabs recordam primeiros meses de pandemia. E como lidaram com vírus desconhecido que lhes mudou "para sempre" a forma de trabalhar.
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Há dois anos quando começou a pandemia, o Porto foi o primeiro distrito com um centro de rastreio em "drive thru", ou seja, através do carro, e no Queimódromo, onde várias tendas foram instaladas, chegou a fazer-se 900 testes por dia. Para dar vazão a tanta amostra recolhida era também criado em Leça do Balio (Matosinhos) o maior laboratório de biologia molecular da Península Ibérica.
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A primeira equipa que esteve na linha da frente a diagnosticar pacientes, a encontrar casos positivos e a fazer o rastreamento de contactos e o seu isolamento recorda essas semanas de trabalho redobrado e as muitas horas passadas no laboratório. Para dar resposta aos testes que chegavam de todo o país, a Unilabs teve de aumentar as instalações e criou, em finais de 2020, o laboratório que continua a funcionar no Centro Empresarial Lionesa e que permite a realização de 25 mil testes por dia. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana.
"A tecnologia fez muito pela pandemia e foi graças a ela que conseguimos estudar e identificar rapidamente um vírus novo. No entanto, a pandemia acaba também por ter um efeito disruptor e a partir daqui a área do diagnóstico nunca mais será a mesma", refere Carlos Sousa, diretor de esterilidade laboratorial dedicada à biologia molecular, de todo o tipo de análises que usam técnicas de biologia molecular em que a mais conhecida é a PCR.
O dia em que chegaram as primeiras amostras jamais será esquecido. "Havia ainda um certo desconhecimento do vírus na saúde das pessoas e por isso houve um cuidado redobrado na manipulação das amostras para que não houvesse uma possível contaminação de um agente sobre o qual havia ainda muitas incertezas", explica Carlos Sousa.
Noites a trabalhar
Na altura, março de 2020, o núcleo de profissionais nesta área era bastante reduzido. Eram três pessoas. Hoje, na Lionesa trabalham cerca de 80. "Senti medo no início e isso marcou a minha vida profissional para sempre", reconhece Ana Rita Silva, responsável pela área da microbiologia. "Começamos com 500 amostras por dia até chegarmos às 21 mil há poucos meses. No princípio, era o pânico com mil amostras, mas depois foi a adaptação a uma realidade nova", relembra.
Foram "muitas horas, muitas noites e fins de semana", num "esforço coletivo" por parte dos colaboradores da empresa. "Em termos pessoais, afetou-nos a todos, mesmo a nível psicológico, pelo tempo que retiramos à família e aos nossos passatempos", acrescenta Ana Rita.
"Na Páscoa do ano passado, fiquei um mês em casa fechado porque estava com muito medo de passar alguma coisa para a família. Quem esteve na linha da frente vai ter histórias para a vida toda", diz Luís Carneiro, responsável pela área da genética, depois de ouvir o testemunho da colega da microbiologia.
Maior pressão
O período de maior pressão foi o final de 2021 e janeiro deste ano. "No nosso pico, chegavam aqui entre 18 mil e 20 mil amostras diárias. Neste momento, estamos com cerca de cinco a seis mil amostras por dia", revela Ana Sofia Cunha, coordenadora da equipa administrativa.
Com o passar do tempo, muita coisa foi alterada. "Criamos as diferentes linhas de produção, o que aumentou bastante a nossa capacidade", salienta Luís Carneiro.
Implementaram-se tecnologias novas e a própria logística teve de se adaptar a esta nova realidade. O mundo laboratorial mudou para sempre e neste laboratório de biologia molecular todos olham já para trás com "saudade".
Do receio inicial até à empatia com os utentes
Rui, Débora, Rosana e Marta ficaram ligados profissionalmente para sempre por terem integrado a primeira equipa do centro de rastreio da covid-19 instalado há dois anos no Queimódromo e que resultou de um acordo entre a Câmara do Porto, a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N) e a Unilabs.
Oriundos de diferentes unidades daquela empresa laboratorial, todos falam do "espírito de missão" que os levou a aceitar um desafio tão aliciante como desconhecido. "Estava a dosear o tempo entre a faculdade e um trabalho temporário. Entrei na Unilabs como rececionista em Lourosa e estava lá há dois meses quando surgiu esta oportunidade", conta Rui Pedro Rodrigues, o primeiro coordenador do "drive thru" do Porto.
Começaram com 150 testes diários, mas o número rapidamente dispararia. Há dois meses eram feitos todos os dias 900. "Foi tudo muito impactante, mas também muito enriquecedor, porque se no início havia medo, numa outra etapa gerou-se empatia com o utente. As pessoas vinham porque precisavam de ajuda e nós tínhamos de as acalmar", relembra Débora Oliveira, técnica de análises clínicas. O meios eram rudimentares. As primeiras tendas adquiridas numa grande superfície comercial foram levadas pelo vento e as extremidades das zaragatoas mais "pareciam bolas de bilhar".
Empatia com o utente
"Passávamos muito tempo em pé e com muito frio. Eram dias muito cansativos, mesmo psicologicamente", acrescenta a técnica de análises Rosana Martins. O estado avançado da doença era visível em muitos rostos. Todos se lembram da jovem que voltaria ao Queimódromo para realizar novo teste, agora sem a companhia dos pais, que morreram infetados.
No centro de rastreio nunca houve um caso positivo entre a equipa. "Estar aqui era mais seguro do que lá fora. Tínhamos muitos cuidados, não podíamos tocar-nos, tirar as luvas e desinfetávamos o material", recorda a administrativa Marta Lopes. O equipamento de proteção envolvia um fato, luvas, máscara, viseira e a proteção de pés. "Morava com a minha avó, mas eu estava numa zona da casa e ela noutra, sem haver contacto. Após entrar em casa, tinha de tirar toda a roupa que era descartada para lavar", acrescenta Débora.
A chegada do vírus
"Ouvi falar de covid pela primeira vez em dezembro de 2019, mas uma coisa muito longínqua da China. Na empresa, foi de um momento para o outro. Que havia um projeto, uma missão e quem estava disposto a integrar", explica Rosana. "No primeiro dia vim com medo, não sabia o que me esperava nem o que vinha fazer", confessa Débora.
O objetivo do centro era aliviar o afluxo de suspeitos de infeção aos hospitais. "Tínhamos oito horas de trabalho, mas despendíamos horas extra. Sem estar com a família nem com os amigos. Houve impacto na nossa vida pessoal, mas foi uma experiência que vai ficar para o resto da vida pelo espírito de missão de ajudar o país e o Serviço Nacional de Saúde". Este "drive thru" foi o primeiro posto do género criado em Portugal e continuou a funcionar, embora ultimamente com menor procura, junto ao Parque da Cidade do Porto.
Pormenores
Oferta de testes
A Câmara do Porto ajusta, a partir de hoje, a oferta de testes à covid-19. Encerram todos os centros do laboratório Germano de Sousa e o do Palácio de Cristal. A Unilabs continua com cinco pontos a funcionar e a POC mantém apenas o centro do Marquês e da Praça D. Afonso V.
Vacinação
No Queimódromo, no Porto, o centro de vacinação "drive thru" arrancou como projeto-piloto em julho de 2021. O espaço previa chegar às duas mil inoculações. Fechou dois meses depois, perante complicações com a cadeia de frio.