Em 40 anos, rastreio permitiu diagnosticar enfermidades raras em 2300 crianças, à nascença. Avaliação deve-se ao facto de o Infarmed ter aprovado tratamento. Há outra patologia testada a título experimental.
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A atrofia muscular espinhal (AME) deverá passar a fazer parte do Plano Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN) em 2022, aumentando para 28 o número de doenças diagnosticadas à nascença. A Comissão Técnica do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), que avalia a viabilidade da inclusão de uma nova doença no rastreio do "teste do pezinho", está a analisar um dossiê elaborado pela Sociedade Portuguesa de Estudos para as Doenças Neuromusculares.
A urgência de incluir a doença - que ficou conhecida como a "doença da bebé Matilde" - surgiu depois de ter sido autorizado pelo Infarmed um medicamento (Zolgensma) capaz de travar a doença para ser utilizado no SNS. A proposta de inclusão, depois de aprovada, dá início a um estudo-piloto que vai rastrear 100 mil recém-nascidos. O teste feito a estes bebés vai permitir "aferir a real oportunidade (custo-benefício) de incluir a patologia no painel das doenças abrangidas pelo PNRN", disse ao JN fonte do Instituto Nacional de Saúde.
Um outro estudo-piloto para avaliar a inclusão de uma outra doença - a drepanocitose - no painel das doenças rastreadas já está ser feito em Portugal. O pedido foi feito por vários países africanos, que solicitaram ajuda ao INSA para perceber de que forma a doença está presente na população portuguesa e qual o seu impacto na saúde pública.
2300 casos em 40 anos
"Mais de 3,8 milhões de crianças foram rastreadas em 40 anos do teste do pezinho, tendo sido detetados 2132 casos com doenças raras que puderam iniciar rapidamente o tratamento", disse Laura Vilarinho, coordenadora nacional do Plano Nacional de Rastreio Neonatal. Segundo o INSA, os testes realizados em 40 anos permitiram diagnosticar doenças raras a mais de 2300 crianças. No ano passado, foram diagnosticados 92 casos de doenças raras: o hipotiroidismo congénito foi a doença mais vezes diagnosticada, com 42 casos, seguido das doenças hereditárias do metabolismo (39) e a fibrose quística (11).
"As doenças raras são, na maioria, genéticas e para a maioria delas não existe qualquer tratamento. Mas quando há um tratamento que seja eficaz, os doentes ficam sem alterações neurológicas", referiu Laura Vilarinho, sendo que, nesse caso, são candidatas a ser incluídas no teste do pezinho.
Tratar cedo pode ser solução
É o caso da atrofia muscular espinhal que, entre as doenças raras, é das mais frequentes. A AME ganhou visibilidade quando os pais da bebé Matilde Sande, portadora de AME Tipo 1, lançaram uma campanha para angariar dinheiro para comprar o Zolgensma, então o "medicamento mais caro do Mundo".
"A probabilidade é de um para 10 mil nados-vivos. E, em Portugal, estima-se que existam 120 a 130 doentes com AME nos seus vários tipos", referiu Teresa Moreno, neuropediatra do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Tendo em conta as estatísticas de outros países europeus, por ano, nascem nos hospitais nacionais dez bebés com AME, tipos 1, 2 e 3. "Os ensaios clínicos que estão a ser feitos demonstram que, se a doença for diagnosticada à nascença e os bebés começarem a ser tratados, vão andar na idade certa, sentar-se na idade certa", disse.
"Já que se gasta tanto dinheiro a tratar estes meninos, então que se faça o teste do pezinho e que gastemos o dinheiro para que possam vir a ter uma vida normal", salientou a médica Teresa Moreno.
Apesar de não ser obrigatório, o PNDC tem atualmente uma taxa de cobertura de 99,5%, sendo o tempo médio de início do tratamento de 9,9 dias. No início, em 1979, a cobertura situava-se nos 6,4% e o tratamento iniciava-se em média aos 28,5 dias.
Destaque
Drepanocitose - também conhecida como doença falciforme ou anemia falciforme, é uma patologia do sangue, com origem genética, em que há produção de uma hemoglobina anormal. Causa anemia severa, oclusão de pequenos vasos sanguíneos e lesões em vários órgãos. Os doentes têm episódios frequentes de dores violentas e um risco elevado de infeções.
Atrofia muscular espinhal - A atrofia muscular espinhal (AME) afeta um em cada 10 mil bebés e tem vários tipos de gravidade. É uma doença genética que afeta os neurónios que partem da espinal medula e que transmitem informação aos músculos. Os neurónios vão morrendo e o doente perde força, e, progressivamente, perde capacidades motoras.