Regido pelo superlativo elevado ao absurdo, tem em edifícios estonteantes e extravagantes a marca de um urbanismo ultramoderno mas com elevados custos ambientais. O emirado do Golfo Arábico, onde andar a pé está fora de questão, é a prova de que quando uma dinastia sonha a obra nasce.
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O superlativo é o grau mais indicado para descrever a realidade do Dubai, um dos Emirados Árabes Unidos, de dimensão idêntica à do distrito de Vila Real. A cidade, que dá nome ao pequeno estado federado liderado pela família Al Maktoum, há já 40 anos que se constrói para ser vista, numa constante mutação urbana, onde o inimaginável anda de mãos dadas com o impossível.
Do pó, avermelhado pelo óxido de ferro, ergueram-se edificações cuja arquitetura concorre pela capacidade de surpreender. Desde que as principais receitas deixaram de vir do petróleo e do gás natural, tendo agora o turismo como principal motor, o imobiliário ganhou maior pujança com um único propósito: chamar a atenção para conseguir transacionar as torres futuristas e ilhas artificiais, que vivem à sombra de estruturas invulgares, como a The Frame [uma gigante moldura dourada visitável], que ajudam a compor de forma estratégica a imagem de cidade-temática do Golfo Arábico.
No Emirado, de que a empresária angolana Isabel dos Santos terá feito agora sua casa, o lema que rege a constante construção é ser-se o primeiro em tudo. "Nunca o segundo, porque desse ninguém se irá lembrar", aponta a guia portuguesa do JN, que chegou ali há dois anos, quando o Dubai começou a perder fama do oásis de salários altos isentos de impostos. A inversão do paradigma deve-se à imigração asiática, disposta a ganhar muito menos e que está ainda a criar realidades urbanas distintas do centro. Mas já lá vamos.
Maior jardim de flores do Mundo
Com 88% dos 2,5 milhões de habitantes a ser expatriada, quer esta população quer os emiratis sabem que a conquista desta cidade ultramoderna ao deserto se deve aos Maktoum, dinastia absoluta surgida há 200 anos quando o Emirado era pouco mais que areia e tinha nas pérolas o principal sustento. Quem ali pousa, e não saiba quem são, rapidamente conhece o rosto de Rashid bin Saeed Al Maktoum, ideólogo do atual Dubai, graças à pulverização da sua imagem em todos os lugares, ao lado da do atual sheik Mohammed bin [bin significa "filho de"] Rashid Al Maktoum e do príncipe herdeiro Hamdan.
Da Burj [torre] Khalifa, a mais alta do Mundo com 160 andares, a luxuosos shopings - vizinhos de lagos artificiais com espetáculos de música e luzes - passando pelo monstruoso porto de Jebel Ali ou pelo Dubai Miracle Garden, o maior jardim de flores do planeta, os omnipresentes Maktoum mostram a sua mão. E até fazem chover.
Um mês antes da equipa do JN chegar ao Dubai, houve cheias naquele clima desértico, onde as temperaturas chegam aos 55.ºC e que obrigam a importar o que se come. A chuva provocou o caos no trânsito da cidade - onde as distâncias impedem de andar a pé. A dinastia mandou semear nuvens com cloreto de sódio. Das oito semeaduras, saiu tanta água que as represas colheram 6,7 milhões cúbicos.
Esta cidade que não é para velhos
Nesta aglutinante cidade, de praias com água quente, à falta de um centro que possa levar o epíteto de histórico - à exceção de um pequeno aglomerado perto do forte do século XVIII, separado da área moderna por uma enseada artificial atravessável em "abras" [barcaças] - até os souk são luxuosas reproduções históricas
O reverso de tal urbanismo planificado resulta em enorme pegada ecológica, que os Maktoum querem cortar.
O consumo de eletricidade é elevado, principalmente devido à refrigeração artificial - por exemplo, as paragens de autocarro são pequenas cápsulas fechadas alimentadas por ar condicionado. O fornecimento é feito pela Jebel Ali, a única e enorme central de queima de gás - algum vem em cargueiros dos EUA -, que produz energia e dessaliniza a água do mar.
Além disso, a extravagância do Dubai não absorveu no seio os milhares de filipinos, indianos ou paquistaneses, que originaram modelos urbanísticos distintos, como Sonapur ou Al Karama. Porém, todos sabem que dali sairão até aos 65 anos.
É que chegada à idade da aposentação, os não emiratis e os seus filhos têm de abandonar o Dubai. Chegados aos 60 anos, o visto de residência não é renovado. Depois de não terem usufruído de educação e saúde do Estado, jamais acederão à reforma, porque se predispuseram a salários não taxados. Um dos guias do JN Urbano deu o seu exemplo: os pais voltaram ao Paquistão. Ele, nascido no Emirado, sabe que terá o mesmo destino se as regras não mudarem. Porque esta a cidade, que veio do pó, não quer que quem não seja dos seus ali volte ao pó