Diogo Ceia e Joana Queiroz, enfermeiros no Reino Unido. Marta Hurst, atleta em Espanha. Mariana Ribeiro e Gonçalo Sousa, estudantes na República Checa e nos Estados Unidos. São cinco jovens, com idades entre os 19 e os 30 anos. Uns encontraram no estrangeiro uma oportunidade para aprofundar conhecimentos, outros um emprego.
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O Natal marca o regresso às cidades que os viram crescer - Porto, Gaia e Esposende. Retratam a vida de milhares de portugueses espalhados pelo Mundo. Passadas as festas, voltam além-fronteiras. Uns na certeza de que o futuro continua a ser fora do país. Outros na esperança do regresso definitivo.
Contar os dias para chegar a casa
18 de outubro de 2012. A data marca a partida de Diogo Ceia e Joana Queiroz para o Reino Unido. Já lá vão sete anos. Na mala levaram o saber de enfermagem adquirido na faculdade. Como companhia, mais de duas dezenas de enfermeiros. Nesse ano, não conseguiram regressar a casa para as festas. Passaram-nas junto dos colegas com quem embarcaram e que se tornaram numa segunda família.
"Acabamos por crescer todos juntos", contou Diogo Ceia. "O primeiro Natal passamos todos juntos. Só veio uma a casa. Até hoje, acho que foi a maior mesa de doces que já vi. No dia 24, fomos ao hospital levar comida aos que estavam a fazer noite", acrescentou Joana.
O casal deixou Portugal no pico da crise. Foi no Reino Unido que encontraram melhores condições de trabalho. São ambos enfermeiros. "Sabíamos que ia ser difícil [trabalhar no setor público em Portugal]. Hoje, essa realidade é muito diferente e já se arranja trabalho no público, mas quase todos os profissionais têm dois empregos", referiu Joana.
Neste ano, Joana Queiroz passa o Natal em Esposende com a família. Já a consoada de Diogo Ceia será no Porto. Nos meses que antecedem a viagem até Portugal, contam-se os dias. O casal tenta visitar a família de dois em dois meses. De casamento marcado para setembro de 2020, Diogo e Joana atiram para essa altura uma decisão no que toca a um possível regresso. Para já, apanham amanhã o avião com destino ao Reino Unido.
Quatro dias para matar saudades
Seis horas a conduzir entre Espanha e o Porto. Marta Hurst chegou à Boavista, onde vivem os pais, no domingo passado. Parte amanhã. Serão apenas quatro dias para matar saudades da família e descansar. Levar o carro à revisão e ir ao dentista também fazem parte dos planos da jogadora profissional de voleibol. Tem 27 anos, formou-se na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e vive há quatro em Haro, no Norte de Espanha.
"A modalidade no feminino, em Portugal, ainda não é propriamente profissional e eu quis seguir essa vertente. Tenho procurado sempre a melhor opção desportiva e competitiva", contou.
A atleta viaja até Portugal duas vezes por ano: no verão, quando termina a época desportiva, e no Natal. "É sempre bom voltar a casa, mas custa muito quando temos poucos dias ", disse.
Para Marta, entre as iguarias que reinam no banquete da ceia, o bolo-rei destaca-se. É em casa do avô materno, Manoel, de 91 anos, que a família se reúne.
Há doces e o sabor português do bacalhau ao jantar. No dia seguinte, reina o peru. Enquanto as tias e a mãe preparam a ceia, cabe a Marta Hurst tratar da decoração.
"Faço questão de passar pela Baixa para ver as luzes durante a noite. É uma coisa que acho realmente bonito. Dá outro encanto à cidade", sublinha a jovem, assumindo que o Porto "é a melhor cidade para se viver".
O espírito do Natal de Praga
A estudar economia na República Checa desde setembro, Mariana Ribeiro, de 20 anos, chegou ao Porto há uma semana. O irmão, que trabalha como engenheiro em Inglaterra, aterrou em solo português dias depois. Quando partiu para Erasmus, no início do ano letivo, acompanharam-na duas colegas da faculdade. Nessa altura, "não tinha voo comprado para o Natal".
"Depois de lá estar e de perceber que ir para a República Checa não é assim tão barato, comecei a considerar que não valia a pena passar o Natal fora, pelo trabalho que dava a minha família a viagem. Acabamos por concordar que era melhor vir. Até para matar as saudades das pessoas", contou.
Neste ano, foi no estrangeiro que sentiu pela primeira vez o espírito natalício: "As ruas são superdecoradas, há imensos concertos na rua".
De Praga, a capital da República Checa, Mariana Ribeiro recorda um doce tradicional. "Tem a forma de um cilindro. Por dentro, tem nutella e chantily", explica a aluna que em checo sabe dizer "díky". Em português, significa "obrigada".
A consoada é celebrada em casa da avó, no Porto. À volta da mesa, reúnem-se cerca de 20 pessoas. O número varia de ano para ano, com os doces confecionados em casa e o bacalhau como prato principal de uma noite que se quer divertida. "Depois de jantar, jogamos ou pomos música e ficamos a cantar", revelou.
O sabor das rabanadas da avó
Há dois anos, os truques de magia de Gonçalo Sousa encantaram a família na noite da consoada. Tem 19 anos, é mágico em Hollywood e está a tirar dois cursos nos Estados Unidos da América (EUA). Um de português e outro de economia e contabilidade. Até ao nono ano, a escolaridade foi feita no Porto. Foi nessa altura, há cerca de quatro anos, que o pai recebeu uma proposta de trabalho para Los Angeles e a família mudou-se.
"Foi uma decisão familiar. Não queríamos estar separados. Ou íamos todos, ou não ia ninguém", afirmou.
Em Portugal, ficaram os avós, os tios e os primos. Gonçalo Sousa, que mantém "uma relação muito próxima com a família", regressa a Gaia, onde os pais têm casa, duas vezes por ano: no verão e no Natal, uma das suas festas preferidas, a par das comemorações de S. João, no Porto. Os meses que antecedem o voo são "os mais difíceis".
Todos os anos, é na Invicta que o jovem passa a consoada. Um ano na casa dos avós maternos, o seguinte na dos paternos. À mesa não faltam as rabanadas da avó, o doce natalício que mais aprecia.
"Enquanto houver família cá, o Natal nunca será passado lá [no EUA]. Sou portuense e é aqui que vou voltar sempre", garantiu Gonçalo Sousa. A passagem de ano, desta vez, vai ser celebrada na Austrália.
Aliás, foi no réveillon, quando tinha 11 anos, que fez o primeiro espetáculo de magia. Usou um kit com seis truques. Desde então, a paixão foi crescendo. Olhando para o futuro, Gonçalo Sousa admite trabalhar nos Estados Unidos. Quer fazer da magia uma carreira profissional.
"Gostava muito de ir para Nova Iorque e de continuar o trabalho enquanto mágico. Em Portugal, o mercado é pequeno e não temos esta vertente das artes tão desenvolvida. Será complicado voltar a tempo inteiro para fazer o que quero", disse Gonçalo Sousa.
Dados
Estudantes no Porto
Neste ano, no Porto, 16 famílias portuguesas vão acolher 31 estudantes estrangeiros na noite de consoada e no dia de Natal. Organizada pela Erasmus Student Network Portugal, a iniciativa já conta sete anos.
Carta a Cavaco Silva
No ano em que os enfermeiros Diogo Ceia e Joana Queiroz partiram para Londres, Pedro Marques, um colega de profissão, escreveu uma carta de despedida a Cavaco Silva, o então presidente da República. Na missiva, o jovem dizia sentir-se "expulso" do seu próprio país.