O general Ramalho Eanes advertiu, esta quinta-feira, para a governamentalização, "que se tem acelerado e intensificado", das Forças Armadas, considerando que ameaça "o cerne espiritual" da instituição militar e a "lealdade de todos os militares" à ética das FA.
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"A verdade é que a governamentalização e a ameaça decorrente, até de partidarização, que, ultimamente, se tem acelerado e intensificado, ameaçam, mesmo, o cerne espiritual das Forças Armadas, a lealdade de todos os militares à ética das Forças Armadas (hierarquia, unidade e disciplina) e a fidelidade incondicional à democracia e à nação", declarou o ex-Presidente da República.
Ramalho Eanes discursava numa sessão de homenagem ao general Loureiro dos Santos - antigo ministro da Defesa e ex-Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), que morreu em 2018 -- no Instituto Universitário Militar (IUM), em Lisboa.
Para o antigo Presidente da República, "não será exagero temer que alguns militares, ambiciosos, e de poucos escrúpulos, procurem ligações pessoais de dependência partidária na esperança de, assim, mais facilmente conseguirem lugares e promoções (situação a que já assistimos no PREC [Processo Revolucionário em Curso] e cuja resolução bem difícil e onerosa foi)".
Eanes expressou ainda algumas das suas preocupações "perante a crescente falta de vitalidade do virtuoso equilíbrio que deve existir entre a instituição militar e o poder político democrático", quanto "ao moral institucional dos cidadãos-militares" e ainda quanto "ao entendimento que não existe, mas deveria existir, entre o poder político e as Forças Armadas em todas as situações e missões, seja no exterior ou no país".
Proteger dignidade do CEMGFA
"Não se despede um chefe de Estado-Maior e, quando se é obrigado a exonerá-lo, apontam-se razões que levam a isso para que a imagem dele, a dignidade dele, fiquem devidamente salvaguardadas", salientou Ramalho Eanes, após questionado sobre a polémica em torno da intenção do Governo de propor a exoneração do atual Chefe do Estado-Maior da Armada.
Falando aos jornalistas depois de ter participado na sessão , o ex-presidente referiu-se às palavras expressas por Marcelo de Rebelo de Sousa sobre o assunto para afirmar que concorda e que o "Presidente da República já disse tudo".
Questionado sobre se o Governo se precipitou ao querer substituir o atual chefe de Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, pelo vice-almirante Gouveia e Melo, Ramalho Eanes respondeu: "não queria tecer comentários sobre isso".
"Inadiável reforma" não aconteceu
Ramalho Eanes considerou ainda que a "indispensável e inadiável reforma das Forças Armadas não teve lugar", apontando que o poder político ao longo do tempo "não soube, ou não quis" fazê-la.
Num longo discurso, de cerca de meia hora, o general, que ocupou também o cargo de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) entre 1976 e 1981, apontou que "tal como aconteceu antes de Loureiro dos Santos, aconteceu com ele, e aconteceria, depois, com todos os Chefes de Estado-Maior do Exército: a reforma das Forças Armadas, a verdadeira e necessária reforma, não aconteceu".
"Creio que se poderá concluir, com incompreensão e mágoa, que a indispensável e inadiável reforma das Forças Armadas não teve lugar. Não se conseguiu obter 'equilíbrio entre o número de pessoal a manter na instituição, o grau de satisfação individual e a obtenção de capacidades militares ao mais baixo custo'", considerou, verificando-se uma redução constante de efetivos ou a delimitação das capacidades militares ao essencial.
E para o general, "a responsabilidade de tão gravosa quão prejudicial situação se não deve às Forças Armadas, às suas chefias".