A Invicta foi a primeira cidade da Península Ibérica a ver estes veículos circularem pelas suas ruas. Quando entraram em funcionamento, causaram uma revolução no conceito de transporte público e uma reação de espanto na população. Ainda subsistem, essencialmente como atração turística.
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O calendário marcava o dia 12 de setembro de 1895 quando no Porto se soltaram espantos e exclamações. Saía para as ruas o primeiro elétrico, veículo sobre carris movido a eletricidade que permitia o transporte de pessoas entre vários pontos da cidade com mais rapidez e eficiência. Substituía os "americanos", que também circulavam em carris mas eram puxados à força animal, através de cavalos. Curiosamente, o feito ocorreu no mesmo ano em que chegava a Portugal o primeiro automóvel, importado de Paris pelo Conde de Avilez.
A ideia de disponibilizar um veículo elétrico de transporte de passageiros partiu da Companhia Carris de Ferro do Porto. Em janeiro de 1894, José Ribeiro Vieira de Castro, um dos administradores da empresa, solicitou à Câmara Municipal um requerimento para que fosse autorizada licença para ensaiar os testes de um veículo que pudesse "substituir, na tração dos seus carros, a força animal pela elétrica, nas linhas marginal e da Restauração, desde a rua do Infante D. Henrique até o extremo do concelho e desde o Passeio da Graça (Cordoaria) até Matosinhos." A autarquia anuiu, os testes foram realizados com resultados satisfatórios e daí até à inauguração da primeira linha decorreu pouco mais do que um ano e meio.
O número 22 teve a honra da estreia nesse histórico 12 de setembro de 1895. Construído de raiz no Porto, fez o percurso inaugural entre Massarelos e o Carmo, na Baixa. Quinze minutos de viagem apenas, quase um milagre impossível de acreditar à época. Os jornais de então relataram com entusiasmo o grande acontecimento. Escreveram que entusiasmo popular foi tal que a multidão se juntou nas ruas para ver passar a novidade.
Houve quem pensasse que havia mulas e cavalos escondidos
O primeiro grande teste à fiabilidade do elétrico foi a complicada subida da Rua da Restauração, íngreme nos seus 10% de inclinação. Incrédulos, os portuenses mal acreditaram no que viam. Não conseguiam entender como aquele bloco verde de madeira e aço com capacidade para 18 passageiros contornava dificuldade tamanha e galgava terreno com facilidade tão grande. Não foram de modas e pararam o 22 a meio da Rua da Restauração. Queriam saber onde estavam as mulas e os cavalos, desconfiavam da façanha que lhes entrava olhos dentro, incrédulos ficaram com tamanho feito. Após alguma confusão inicial e desfeitas todas as dúvidas, lá deixaram o elétrico seguir destino.
Afinal, a eletricidade - "um milagre invisível", como se escreveu - era coisa que ao Porto tinha chegado apenas nove anos antes e de que poucos usufruíam. Que pudesse dar força a tão pesado veículo mais assombro provocava. Vivia-se o primeiro do resto dos dias do elétrico. No Porto e em toda a Península Ibérica, que até então nunca testemunhara uma novidade que apenas fazia sucesso nas cosmopolitas Londres, Paris ou Berlim.
Lisboa, por exemplo, só aderiu ao elétrico a 31 de agosto de 1901, após constatar o sucesso do mesmo no Porto. Espanha viu-o pela primeira vez uns anos antes, em 1896, na cidade basca de Bilbau (a Madrid chegaria somente em 1899).
Expansão para concelhos vizinhos
Passada a fase da surpresa, rapidamente superada, o elétrico passou a tomar conta da paisagem do Porto. "Enquanto agente de mobilidade, o elétrico foi extremamente importante para a cidade. Também o fator económico prevaleceu desde então, pois a economia local passou a desenvolver-se em torno das linhas criadas", lembra Ângelo Oliveira, vogal executivo da STCP.
Tornou-se aliado da mobilidade urbana e contribuiu para que os percursos dentro da cidade se tornassem mais eficazes. Também foi importante para expandir o transporte de passageiros para concelhos vizinhos, como Matosinhos - uma das linhas tinha como o término o porto de Leixões, em Leça da Palmeira - ou Gondomar.
O Porto não perdeu o afeto nem a memória dos elétricos. Em Massarelos, é possível visitar o Museu do Carro Elétrico. E pelas ruas da cidade é possível circular numa das três linhas que subsistem. Um total de 8.9 quilómetros e 46 paragens. Em 1950, segundo dados da STCP, havia 83,6 quilómetros de extensão de rede elétrica, 190 veículos e 38 linhas... "A década de 1950 foi a do pico da atividade do elétrico no Porto, antes do boom do automóvel", explica Ângelo Oliveira.
Além de ícone do Porto, o elétrico é um potenciador do desenvolvimento económico, tal como nas suas origens o foi
Hoje, a realidade é diferente e o turismo domina as atenções. "Por razões tecnológicas, operativas e ambientais, o elétrico é, atualmente, essencialmente um veículo turístico. Mas ainda efetua muito serviço público, há pessoas que o utilizam para se deslocarem na cidade", detalha Ângelo Oliveira.
Números oficiais revelados pela STCP ao JN Urbano adiantam que em 2019 viajaram nos elétricos do Porto 738 mil passageiros, o que revela um ligeiro decréscimo em relação aos dados 2018 (745 mil), mas uma subida quanto aos anos de 2017, 2016 e 2015, respetivamente, com 729 mil, 622 mil e 457 mil passageiros.
"Além de ícone do Porto, o elétrico é um potenciador do desenvolvimento económico, tal como nas suas origens o foi", resume Ângelo Oliveira.
Em 2020 como em 1895, continua o elétrico a ser um chamariz para aquela que foi a primeira cidade da Península Ibérica a acolhê-lo. E a história do Porto não mais foi a mesma