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Quando se anuncia o arranque de mais um ano letivo, a ministra passa em revista alguns do temas prementes do Ensino Superior, da devolução das propinas à Ação Social, da construção de residências aos novos modelos de financiamento. Mas também reconhece que as universidades e politécnicos portugueses têm cursos a mais e que “não faz sentido ter uma dispersão tão grande”.
O primeiro-ministro anunciou a devolução das propinas aos jovens que entrem no mercado de trabalho e fiquem a trabalhar em Portugal. Acredita que será um subsídio anual de 700 euros a travar a emigração de jovens altamente qualificados para países onde conseguem salários duas e três vezes superiores aos que por cá se pagam?
Esse anúncio faz parte de um conjunto de medidas. Como é evidente, não será apenas o facto de os alunos, ao terminar a sua licenciatura ou o seu mestrado, receberem o custo da propina que os fará ficar. É parte de um pacote de incentivos, para permitir que eles fiquem em Portugal. Mas nós vivemos num mundo global, recebemos alunos de outros lados. Essa rede, a facilidade que os jovens têm em viajar de um lado para o outro, faz com que alguns de cá possam ir para fora e outros de fora venham cá para dentro.
Precisamente porque o efeito deste anúncio é pelo menos desconhecido, não seria mais interessante, em vez de fazer uma promessa para o futuro, aliviar no presente o enorme esforço que as famílias da classe média fazem para ter os filhos na universidade? Não seria melhor baixar ainda mais as propinas?
O financiamento do Ensino Superior tem uma componente do Estado e tem a parte das receitas próprias, incluindo a das propinas. Estamos a falar de 697 euros por ano e por aluno, o que representa cerca de 20% do financiamento. Por outro lado, ao termos congelado as propinas, e até por força da inflação, em termos práticos o valor é menor. Não podemos fazer alterações de uma forma drástica. Acresce que vamos ter um reforço muito grande da Ação Social no Orçamento do Estado para 2024. Em 2022, o orçamento para a Ação Social foi de 32 milhões de euros, e o que estamos a propor para 2024 são 70 milhões de euros. Estamos a trabalhar em várias frentes. E estamos a fazer um esforço enorme, através do PRR, na reabilitação e construção de novas residências.
Mas não fazia sentido aliviar as famílias no momento em que elas mais precisam?
A medida não se destina apenas a fixar os jovens em Portugal. É também um estímulo a termos mais jovens no Ensino Superior. Isto acaba por ser, no limite, um empréstimo que o aluno faz, para no final ser ressarcido do valor.
Falou sobre a construção de residências. Desde 2018 que o Governo anuncia ou promete a construção de milhares de quartos em residências universitárias. Mas o ritmo de abertura de camas tem sido muito lento. Das 15 mil que estão previstas, nomeadamente no âmbito do PRR, só haverá mil até ao final do ano. O que está a falhar?
O processo teve início no anterior Governo e demorou algum tempo a identificar o património que existia em Portugal e que pudesse ser reabilitado para residências. E na altura não existia o pacote financeiro necessário para fazer face a todo este investimento. Tivemos a possibilidade de ter esse reforço através do PRR. No entanto, quando o PRR e, neste caso, a parte do alojamento, foram desenhados, não havia uma guerra. E tudo isso gera atrasos.
O PRR tem muitos milhões para residências universitárias, mas os custos da construção dispararam. E há notícias de instituições que estão a abandonar os projetos porque o financiamento público é insuficiente. Qual é a solução, fazer menos camas ou arranjar mais dinheiro? E, neste caso, como é que o vai arranjar?
Aquilo que já fizemos foi um pedido de reforço, no âmbito da reprogramação do PRR, à Comissão Europeia. Para cobrir parte, não a totalidade, do aumento de custos. Aguardamos, a qualquer momento que a reprogramação seja oficial e que tenha sido aceite. Esta é uma das prioridades do Ministério. Durante o mês de agosto, visitei uma série de obras, estive no Algarve, em Lamego, em Coimbra, em Barcelos, estive no Porto. Na próxima semana, vamos inaugurar mais uma residência de estudantes, a segunda no Porto. Até ao final deste ano, ou até antes, temos que ter mais 1100 camas. As camas não se fazem de repente, estamos a acompanhar 131 projetos de muito perto.
Mas o que é que está a fazer em relação às instituições que estão a abandonar os projetos?
Eu não tenho até este momento conhecimento dessas situações. Há notícias, mas há depois aquilo que acontece em termos práticos. Os atrasos que há no âmbito das residências universitárias têm a ver com licenciamentos, com alguma burocracia, não há nenhuma que esteja com problemas por não ter empreiteiros.
De acordo com os dados mais recentes do portal Infocursos, 11% dos alunos que iniciam uma licenciatura um ano depois já abandonaram o Ensino Superior. Não mudam de curso, não mudam de instituição, simplesmente desistem. Qual é a causa de tanto abandono? Uma delas não será o custo de estudar?
Não temos dados. O abandono situa-se na casa dos 10% há alguns anos, não temos indicação sobre se são razões económicas ou não. Mas, sabendo que existe esse problema, lançámos no final do ano passado um novo programa para travar o abandono escolar, que está neste momento em praticamente todas as instituições de Ensino Superior. O que queremos é capacitar as instituições com mentores, com professores, com psicólogos, para tentar perceber as causas e evitar que esses alunos, que são basicamente os do primeiro ano, abandonem o Ensino Superior. O efeito não é imediato, mas é uma das nossas preocupações e estamos a trabalhar nisso.
Depois de um ano letivo em que foram muito castigados pelos efeitos da inflação, as universidades e os politécnicos receberam, em julho passado, um reforço extraordinário de 5,3% nas transferências financeiras do Estado. No Orçamento para 2024, haverá um reforço de 10,7%, ou seja, 138 milhões de euros. Mas se descontarmos o reforço que houve em julho, na verdade o aumento do próximo ano será de apenas metade. E se tivermos em conta a inflação que veio e que ainda virá, em termos reais as instituições do Ensino Superior não ganham nada. Isto não significa que o reforço do financiamento do Ensino superior não é mais do que uma ilusão?
Peço desculpa, mas penso que está enganado. Com a sua pergunta, está já a dizer que, para o ano, não haverá reforço nenhum. Quando fazemos orçamentos, fazemo-lo com base no orçamento anterior. E o orçamento terá um aumento de 10,3%. Portanto, as instituições do Ensino Superior vão receber mais 138 milhões de euros. No ano seguinte, logo se verá o que vai acontecer.
Um dos indícios de que o Ensino Superior continua subfinanciado é a recusa do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) de aceitar o programa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que pretende integrar na carreira docente 1400 investigadores precários. E isto apesar de a FCT cofinanciar os salários nos primeiros três a seis anos.
Não sei bem se é assim. Esse programa está na fase final de implementação e surge para resolver um problema que tem muitos anos. A ciência em Portugal é relativamente jovem. No início, todos os doutorados eram bolseiros, não tinham contratos. Depois, passaram a ter contratos com um período de tempo limitado. O que queremos é evitar a precariedade, porque mesmo um doutorado com um contrato não deixa de ser precário, o seu contrato tem um limite temporal que pode não ser renovado. O que estamos a introduzir com este novo modelo é que a FCT vai financiar contratos permanentes. E as instituições escolhem se querem contratar o doutorado para a via docente ou para a carreira científica. Isto é uma ajuda grande, vamos cofinanciar, durante três anos, professores que as universidades e os institutos politécnicos podem contratar, e investigadores durante seis anos. E sabemos que vai existir um problema grande a nível das instituições de Ensino Superior, com muitos docentes que se vão reformar. Este programa também é uma forma de as instituições se anteciparem e permitirem uma passagem de testemunho. São só vantagens. É verdade que tem havido resistência, mas há sempre resistência, porque o ótimo é inimigo do bom.
Ainda no âmbito do financiamento, está em cima da mesa uma discussão sobre um novo modelo. Penso que até anunciou que seria apresentado lá para o final deste ano.
Este ano já foi usada uma nova fórmula de financiamento transparente para todos. É evidente que aquilo que pesa muito no financiamento é o número de alunos e o número de alunos ponderados, porque um aluno que vai para a Medicina é muito mais caro do que um aluno que vai, por exemplo, para a Economia. O que estamos a discutir e vamos apresentar até final do ano tem várias componentes. Mas, para além do modelo de financiamento que estamos a propor, vamos fazer um contrato de legislatura, ou seja, contratos de quatro anos, garantindo que há estabilidade e previsibilidade no financiamento, e até indexamos isso ao valor da inflação.
Relativamente ao novo modelo de acesso ao Ensino Superior, teme-se que possa resultar em menos candidatos, uma vez que passa a ser necessário ter nota positiva em dois exames do Secundário. Até aqui podia ser um, dois ou três. Os politécnicos estão particularmente preocupados com esta mudança. A senhora ministra também está?
Não estou. Penso que não é por aí, nós temos que ter qualidade. O nosso Ensino Superior caracteriza-se exatamente pela qualidade que tem. Aliás, o facto de termos licenciados que emigram e vão para fora é sinal de que a formação que damos em Portugal é reconhecida pelos outros países europeus, que até têm um historial muito mais longo do que o nosso. Não queremos que o nível de formação seja diminuído e achamos que os politécnicos não vão ser prejudicados em nada pelo facto de passarmos a ter agora dois exames.
Este ano, pela primeira vez, tivemos o chamado contingente especial para os alunos carenciados, ou seja, aqueles que têm o escalão A de Ação Social. E percebeu-se esta semana que em 80% dos 30 cursos com notas de acesso mais elevadas, os alunos carenciados só garantiram a entrada porque existiam estas vagas prioritárias. Esta é uma experiência para manter e, eventualmente, até para alargar?
Exato, ficámos muito contentes com os resultados. Houve até muitos alunos carenciados que entraram no Ensino Superior sem necessitar desse contingente especial. E devem ser acompanhados. Aquilo que nos interessa agora é saber se eles ficam, para evitar o abandono. A questão do abandono de que já falámos.
A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) tem recebido mais de 300 pedidos por ano para criar novos ciclos de estudo, a maior parte, cerca de 200, mestrados. É a própria A3S que diz que isto é excessivo. E avança outro número revelador: em Portugal, a oferta formativa ronda os 4250 cursos, enquanto em Espanha, com uma dimensão cinco vezes maior do que a nossa, há cerca de três mil. Tem alguma explicação para este fenómeno?
Não sei exatamente qual é a razão, mas também sou sensível a isso e acho que temos uma oferta demasiado larga. Estamos a olhar para esses números e não achamos que seja razoável, até porque no futuro vamos ter menos alunos a candidatar-se ao Ensino Superior e acho que temos que fazer uma reorganização dos cursos que existem. Não faz sentido termos uma dispersão tão grande. É um assunto que estamos a estudar dentro do gabinete, porque achamos que temos demasiada oferta face ao número de alunos que existem, e isso às vezes até baralha. É um assunto que está a ser revisto e estamos a dialogar. Queremos sempre trabalhar de uma forma transparente e em equipa, envolver todo o ecossistema do Ensino Superior, para chegarmos às melhores conclusões. Por outro lado, é sempre útil olharmos para o que se passa nos outros países, não queremos inventar a roda.
No fundo, está a dizer, de uma forma elegante, que vai ter que fechar cursos nas universidades e nos politécnicos.
As universidades têm sua autonomia, não queremos fechar nada. Mas é evidente que, havendo uma oferta demasiado grande face à procura, alguma coisa tem que ser feita. Isto são também um bocadinho as leis do mercado a funcionar. Mas, já agora, não me perguntaram mas eu gostaria também de dizer que houve coisas muito boas que foram feitas a nível do Ensino Superior este ano e que não custaram dinheiro. Há coisas que podemos alterar, até estruturalmente, sem gastar dinheiro. Antecipámos o calendário [no acesso ao Superior] e garantimos que os alunos da primeira e da segunda fase, que são a grande maioria, começam as aulas na mesma altura. Fizemos outra coisa que também nunca tinha sido feita: os alunos que podiam candidatar-se a bolsa ficaram a saber se a conseguiam no mesmo dia em que souberam que ficaram colocados.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF