Falhas informáticas, falta de material básico, instalações desadequadas, excesso de utentes por equipa de saúde, violência psicológica e física sobre profissionais. No dia-a-dia das unidades de saúde familiar somam-se problemas. E a insatisfação com o Ministério da Saúde atingiu níveis nunca vistos.
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O retrato, feito desde 2011, pela Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) é apresentado, esta sexta-feira, em Braga, no 13.º Encontro Nacional das USF, que conta com a presença do novo ministro da Saúde.
Manuel Pizarro será confrontado com dados que mostram que as USF nunca estiveram tão insatisfeitas com o Ministério da Saúde. No que respeita à reforma dos cuidados primários, 90% das USF apontam o dedo à atuação da tutela. À data da recolha da informação, Manuel Pizarro ainda não era ministro, mas o mais recente estudo da USF-AN mostra que tem muito trabalho pela frente.
O relatório "O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2021/2022", com dados recolhidos junto das USF entre julho e setembro últimos, aponta problemas que carecem de solução urgente. Entre eles, a violência no local de trabalho que se mantém "muito frequente".
Nos últimos 12 meses, 78% das USF registaram pelo menos um episódio de qualquer tipo de violência, refere o relatório. O número é elevado, mas melhorou face ao estudo anterior (93%), num ano marcado pelas dificuldades dos cuidados primários na conciliação da resposta à covid-19 com a atividade normal.
"Apesar da diminuição, estes são dados que se têm de considerar críticos, sendo necessário dar especial atenção às causas e soluções para a violência, que se demonstra um problema muito frequente", pode ler-se no documento, a que o JN teve acesso.
Violência psicológica e assédio são mais frequentes
A violência psicológica é a mais frequente, tendo sido reportada por 68,1% das 448 USF que participaram no estudo. Segue-se o assédio sobre profissionais de saúde (42,8%), a violência física (32,1%), violência contra a propriedade pessoal (17,7%) - inclui danos e furtos em bens próprios como carro ou cacifo - e a violência sexual (1,4%).
Para o presidente da USF-AN, que é também coordenador do Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde da Direção-Geral da Saúde, os dados são relevantes, ainda que próximos de outros países. "É difícil a prevenção total, mas há muita coisa que ainda pode ser feita", referiu André Rosa Biscaia ao Jornal de Notícias.
O relatório nota que "apenas 78,5% das USF têm procedimentos para abordar a violência sobre os profissionais de saúde", considerando que há "espaço para otimização da abordagem nesta área".
A violência contribui para o aumento do "burnout" dos profissionais de saúde e está muitas vezes associada a problemas de funcionamento, a que os médicos, enfermeiros e administrativos são alheios.
Em mais de metade das USF as faltas de material aconteceram mais de dez vezes
A começar pelas falhas de material. Segundo o relatório da USF-AN, 92% das USF assumiram ter falta de material básico para a atividade normal. Sendo que em 52% das USF estas faltas aconteceram mais de dez vezes, em 28% entre três a dez vezes e em 12% uma a duas vezes.
"Estes valores representam uma falência na capacidade das ARS, ACES e ULS de resolverem o problema, que se tem vindo a agravar, com as USF com falhas superiores a dez vezes a aumentarem 13,8% face a 2021", realça o estudo.
O tempo de reposição do material em falta também está longe de ser o ideal. "Só em 3,4% das USF é que ocorreu, para a maioria dos casos, no mesmo dia e sem atrasos importantes ", tendo piorado face ao ano anterior (7,4%). Em 51,3% das USF, as reposições aconteceram no dia seguinte e em 36% com 48 horas ou mais de atraso, prejudicando os cuidados prestados.
Mais autonomia e nova direção executiva do SNS dão esperança
André Rosa Biscaia tem esperança que o novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde que consagra mais autonomia para as USF ajude a resolver alguns dos problemas. "Temos esperança que, com uma autonomia igual à dos hospitais, se consiga aproximar a resolução dos problemas do terreno", disse. O presidente da USF-AN também deposita esperanças na nova direção executiva do SNS, que estará "focada nas questões mais técnicas e menos políticas".
As falhas informáticas são outro problema recorrente. De acordo com o estudo, nenhuma USF teve sempre disponível as aplicações informáticas. "Um problema crónico que demonstra a pouca resistência das aplicações a falhas de hardware ou software, bem como a frágil rede de internet disponível nas unidades", pode ler-se no documento.
Falhas informáticas aumentam
Este ano, as falhas informáticas foram mais frequentes do que no ano anterior. "Em 23,5% das USF respondentes as falhas foram mais de cinquenta no último ano, quando no ano anterior apenas 16% das equipas tinham referido um número tão elevado de falhas". Resultados que, principalmente nas ARS com piores valores (ARS LVT com 29,93%, ARS Algarve com 25% e ARS Centro com 23,53%), devem levar a uma auditoria ao funcionamento da internet, das aplicações e do apoio que é prestado, defendem os autores.
A dimensão excessiva das listas de utentes, as dificuldades para substituir profissionais em ausência prolongada e os atrasos nos pagamentos dos incentivos institucionais são outros problemas elencados pelas USF.
Rebobinando o filme do último ano, o presidente da USF-AN também encontra sinais positivos. A passagem de todas as USF modelo A para modelo B, num total de 20, foi um passo importante que impulsionou novas candidaturas.