Viver com escassez de água é algo a que as gentes das aldeias serranas de Porto de Mós estão habituadas. Ao longo de décadas, desenvolveram estratégias para reter a água da chuva, através de simples pias, da canalização dos beirados para cisternas ou dos designados Telhados de Água da Mendiga e de Serro Ventoso.
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Aqui, a chuva é recolhida através de um lajedo natural, do tamanho de um campo de futebol, e conduzida para depósitos, passando depois por várias fases de filtragem, até chegar aos fontanários "própria para consumo".
"É boa, mas boa. Vem aqui muita gente encher garrafões, até de fora", atesta Lúcio Vicente, com 67 anos, tantos quantos têm os Telhados de Água da Mendiga. Tesoureiro da União de Freguesias (UF), que junta também o Arrimal, conhece como poucos o funcionamento do sistema. O pai trabalhou sua construção e ele foi, durante anos, responsável pela casa dos filtros, a partir da qual a água sai "pronta para beber". A qualidade é controlada pela Câmara, através de "análises regulares", explica Francisco Baptista, presidente da UF.
Vão lá encher garrafões
Zulmira Costa, de 83 anos, já perdeu a conta aos garrafões que encheu no fontanário. Só o peso da idade a impede agora de recorrer à fonte. "Já me custa vir cá a cima, mas antes vinha mais do que uma vez por dia. O gado também bebia desta água", recorda, apontando para a pia construída do noutro lado da estrada preparada para os animais. Mais em cima, há outra. "As pessoas vinham serra abaixo com o gado. Para evitar que atravessassem a estrada nacional, fez-se a pia junto à igreja", diz Lúcio Vicente.
José Manuel Neto, de 77 anos, invoca a memória do sogro, Manuel Baptista Amado, ex-presidente da junta e um dos mentores do projeto. "Inspirou-se no sistema de cisterna. Antigamente, quando se construia uma casa na serra, fazia-se um poço ao lado para aproveitar a água das chuvas", relata o comerciante, lamentado que esse "costume" se tenha perdido.
Natural de Serro Ventoso, freguesia que seguiu o exemplo da Mendiga, José Neto revela que, inicialmente, a ideia "não foi bem aceite pelas autoridades". Mas a resistência dos organismos oficiais não demoveu os promotores. "A laje estava lá. Foi só tapar algumas fendas. Construíram-se dois grandes depósitos, cada um com capacidade para um milhão de litros e que neste momento estão com uma ocupação de 75%. Tudo à força de braços. Demorou uma meia dúzia de anos, mas a obra fez-se", relata Lúcio Vicente.
A inauguração aconteceu em 1954 e nas décadas seguintes, os Telhados de Água foram o único meio de abastecimento daquelas povoações. Com a rede pública, há cerca de 30 anos, os sistemas mantiveram-se a funcionar e ainda hoje são utilizados pelas populações locais e até por gente de fora que ali vai encher garrafões.