Há mais um milhão de eleitores nos cadernos eleitorais do que cidadãos com direito a voto residentes em território nacional, estando Portugal entre os cincos países da União Europeia (UE) com a pior taxa de sobrerrecenseamento. Em causa o facto de muitos emigrantes permanecerem inscritos nestes cadernos.
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Esta é a principal conclusão do estudo “Afinal, quantas pessoas se abstêm em Portugal?", divulgado esta quinta-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
“A investigação demonstra que se a participação eleitoral fosse aferida tendo em conta a estimativa de adultos portugueses residentes em Portugal, e não no número de eleitores nacionais recenseados, nas eleições legislativas de 2022 a abstenção no território nacional teria rondado os 35%, sete pontos percentuais abaixo dos 42% oficialmente registados”, refere o estudo coordenado por João Cancela (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa), José Santana Pereira e João Bernardo Narciso (ambos do ISCTE).
Segundo o documento, o sobrerrecenseamento eleitoral – o número de cidadãos com direito de voto é inferior ao número de recenseados -, em Portugal foi de 11,4% (cerca de um milhão de eleitores). Portugal ocupa mesmo o quinto lugar, nos 27 estados-membros da União Europeia, com este indicador mais elevado. Apenas é ultrapassado pela Roménia, Letónia, Grécia e Bulgária. É um desvio maior do que no início do século XXI.
De acordo com os autores, este sobrerrecenseamento eleitoral é mais elevado nos distritos do interior norte, nomeadamente Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda. O distrito de Vila Real é mesmo o que apresenta maior discrepância. Neste distrito, “por cada quatro adultos portugueses contados no recenseamento da população conduzido pelo INE, existem cinco recenseados nos cadernos eleitorais”, lê-se no documento.
Porto podia eleger mais dois deputados
Esta diferença entre o número de recenseados e o de adultos efetivamente residentes tem também implicações na distribuição de mandatos parlamentares. Por exemplo, se o número de deputados de cada círculo eleitoral de Portugal fosse determinado pelo número de adultos portugueses residentes, o Porto elegeria mais dois deputados e Setúbal mais um. Madeira, Vila Real e Viana do Castelo perderiam um deputado em relação a 2022. Os círculos eleitorais mais periféricos perderiam ainda mais peso político face aos círculos das grandes zonas urbanas. Apesar da diferença entre o número de cidadãos nacionais inscritos nos registos eleitorais e o número de adultos portugueses residentes ser maior no interior norte, são os círculos eleitorais do litoral que mais contribuem para esta diferença: “cerca de 48% dos eleitores em excesso concentram-se nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal”.
Mais deputados pelo estrangeiro e facilitar voto à distância
Segundo a investigação da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) a principal razão deste sobrerrecenseamento eleitoral é o “facto de permanecerem inscritos para votar, em Portugal, eleitores que residem regularmente no estrangeiro e que, portanto, poderiam estar inscritos nos círculos da emigração, isto é, num consulado do país onde residem.
A manutenção nos cadernos eleitorais nacionais destes cidadãos emigrantes, que em poucos casos poderão deslocar-se a Portugal para votar, acaba por empolar a taxa de abstenção, explicam os autores. Não foram encontrados indícios de que “inscrições duplicadas ou a conservação de eleitores já falecidos nos registos” contribuam para este sobrerrecenseamento eleitoral.
Por fim, os autores sugerem um conjunto de propostas para reduzir o problema e os seus impactos. Nomeadamente, “tornar o recenseamento no estrangeiro mais flexível e apelativo”, aumentando o número de deputados eleitos nos círculos eleitorais no estrangeiro (Europa e fora da Europa) ou pela junção destes dois círculos; facilitar o voto à distância no estrangeiro, através da “extensão do voto antecipado em mobilidade à rede de embaixadas e consulados no estrangeiro”; promover uma “maior troca de informações entre países europeus” e “disponibilizar, de forma aberta, dados desagregados sobre o recenseamento, que permitam obter mais informação sobre a participação eleitoral dos portugueses”. Os autores referem ainda que é sempre “preferível o sobrerrecenseamento ao sub-renceseamento” porque o sobrerrecenseamento não impede ninguém com direito a votar de fazê-lo”.