Procurem-se as imagens da tarde de 25 de abril de 1974, captadas no Largo do Carmo, em Lisboa, onde Marcello Caetano permanecia acantonado no quartel da GNR. Se em cima de uma árvore estiver uma rapariga com "uns jeans muito coçados, uma túnica indiana e cabelo pela cintura", talvez seja Rosário Gambôa, hoje presidente do Instituto Politécnico do Porto.
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Rosário tinha 17 anos e frequentava o primeiro ano de Filosofia. Num primeiro momento, depois de saber o que se passava, foi com um grupo grande para o Rossio, avançando depois para o Carmo, onde tudo estava a acontecer. "Eu era vendedora do 'Luta Popular', o jornal do MRPP", conta, explicando que nunca foi militante e foi aí parar por uma relação de grupo - "era a pouca atividade que eu podia ter" - como poderia ter estado com o PCP ou outra força qualquer de Esquerda: "Era ostensivamente contra o regime".
Mais do que "alguns conhecimentos sólidos, para a época, em termos ideológicos", Rosário Gambôa desenvolvera desde pequena, em Penafiel, uma "consciência das desigualdades violentas e profundas": "Cresci no campo e uma das coisas que me violentaram sempre era a miséria em que os meus colegas de escola viviam".
A "falta de justiça e de equidade" que testemunhara desde sempre dava-lhe um sentido de cidadania "vivencial e emocional", mais forte do que qualquer noção ideológica que a maturidade tenha, depois, vindo atenuar. Esse sentido não se perdeu: "É um nervo que, quando estimulado, salta em mim facilmente".
Na universidade, presenciou cargas policiais, viu colegas espancados ("era uma violência mais centrada no pensamento")... e aquele dia mudou tudo. Veio depois "um tempo fantástico de possibilidades", mas, também, um tempo em que "o confronto ideológico era muito duro e violento".