Exames de autodiagnóstico já têm enquadramento legal, mas Infarmed não possui registo de marcas que os queiram comercializar. Associação Abraço diz que mercado não é apetecível.
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Comprar um teste para diagnosticar o vírus da imunodeficiência humana (VIH) numa farmácia e fazê-lo em casa com resultado na hora, à semelhança de um teste de gravidez, já é possível em Portugal porque a lei o permite. Mas, na prática, ainda não o é. Isto porque ainda nenhuma marca que comercializa estes autotestes se registou no Infarmed. Segundo a associação Abraço, o mercado português não é apetecível.
A Direção-Geral da Saúde (DGS) acaba de lançar uma circular com regras para a comercialização dos autotestes ao VIH, em conjunto com outras entidades da área. Segundo Isabel Aldir, diretora do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, "a circular explica como é que o utente deve atuar, em caso de resultado reativo, e a informação que as farmácias devem dar na hora da compra". O objetivo do documento é orientar o utilizador e quem vai vender os autotestes. E, de acordo com Aldir, "não há nada que impeça uma farmácia de fazer, já hoje, uma encomenda".
Mas o Infarmed diz que não. Porque, embora já seja legal, nenhuma marca se inscreveu para poder vender estes produtos em Portugal. "Qualquer dispositivo colocado no mercado europeu com esta finalidade e que cumpra quer a legislação europeia, quer a legislação nacional, poderá ser disponibilizado no mercado português", explica a Autoridade Nacional do Medicamento, que adianta, contudo, que "até ao momento, não foi possível identificar qualquer registo na base do Infarmed referente a um autoteste de VIH".
A Associação Abraço, que queria implementar o Teste em Casa - um autoteste ao VIH que seria encomendado online em vez de ser comprado na farmácia -, tem o site preparado, só que já não acredita que venha a ser possível. "A lei foi, de facto, desbloqueada, mas agora tudo depende do mercado privado", refere o presidente da associação, Gonçalo Lobo, que contactou marcas e nenhuma parece ter interesse no mercado português.
"Existem pelo menos três marcas de autotestes ao VIH, uma inglesa, uma francesa e uma americana. Mas não há nenhuma a patentear o seu autoteste cá, porque Portugal não é um mercado atraente". O país parece ter perdido o comboio e Gonçalo Lobo diz mesmo que Portugal levou muito tempo a introduzir o autoteste. "Quando França introduziu, tinha 70% dos casos diagnosticados, e havia um mercado muito grande para as marcas. Portugal já tem 91,7% da população que vive com VIH diagnosticada. É um mercado de nicho."
preço ronda os 25 euros
A Abraço chegou a experimentar um destes autotestes, o dispositivo francês tem inclusive informação em português, embora não permita encomendas para Portugal. Todos rondam os 25 euros. "É intuitivo e fácil. É uma picada no dedo, com uma espécie de seringa, que faz a colheita para uma pipeta de vidro. A agulha é espetada dentro do reagente. Passados 15 minutos, temo o resultado", explica Gonçalo Lobo.
Mas enquanto os autotestes não chegam a Portugal, os testes rápidos, que também dão o resultado na hora mas são feitos nas farmácias por um profissional, vão tendo sucesso. Ainda só estão disponíveis em 21 farmácias de Cascais e, desde outubro, já se fizeram 802 testes, que incluem VIH, hepatite B e C. A Associação Nacional de Farmácias prevê que o projeto-piloto vai alargar-se em breve a farmácias de Lisboa e Porto.
SABER MAIS
Regras para venda e referenciação
A circular informativa lançada no mês passado pela DGS para os autotestes indica que só podem ser vendidos em farmácias ou parafarmácias e, em caso de resultado reativo, a referenciação hospitalar para confirmar o resultado é feita através do Centro de Contacto do SNS, a antiga linha de Saúde 24 (808 24 24 24).
Formados 57 farmacêuticos
Em 2018, 28 farmacêuticos fizeram formação para estarem aptos a fazer testes rápidos nas farmácias aos utentes. Este ano já outros 29 o fizeram. Há muitos pedidos das farmácias e a ideia é alargar o projeto a nível nacional. Nas 21 farmácias que aderiram ao projeto-piloto, foram realizados 802 testes.
Inovação deteta duas doenças
Demora um minuto a saber o resultado e é um teste duplo, ao VIH e à sífilis, que acabou de ser implementado pela primeira vez em Portugal pelas mãos do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos, em Lisboa e margem Sul. A inovação tecnológica do teste estende-se à recolha de dados feita pelo utente num tablet, à confirmação do resultado "in loco" em 90 minutos, e à marcação imediata de consulta hospitalar. "Fazemos 50 mil testes por ano, ao VIH, hepatites, sífilis e, com isto, vamos duplicar", diz Ricardo Fernandes, diretor do GAT.