Safra começou com o preço em baixo. Compradores oficiais suspenderam habitual acordo à espera das novas restrições.
Corpo do artigo
A safra da lampreia começou a 1 de janeiro, promissora em termos de quantidade de peixe, mas pouco animadora quanto ao preço de mercado. Na primeira semana, a unidade foi paga ao pescador, pelos intermediários, a 20 euros (lampreia grande) e a 10 (pequena). Os próximos dias vão ditar se 2021 será (mais) um ano a esquecer para as 154 embarcações portuguesas licenciadas na faina deste ano. "Se a restauração parar, certamente vamos parar todos", afirma Augusto Porto, presidente da Associação de Pesca Profissional do Rio Minho e Mar.
A associação de pescadores do Minho fala em especulação assente no monopólio do mercado por parte de uns poucos compradores e agora também na retração dos restaurantes em adquirir o produto por causa da pandemia. Os últimos dias já foram de dificuldade.
"Os nossos compradores oficiais suspenderam o negócio à espera das novas medidas que o Governo vai anunciar. Na sexta-feira, pesquei nove lampreias e ainda as consegui vender, mas foram as últimas", conta ao JN José Brás, armador do barco de rio Pequeno Mar das Margaridas. "Se calhar este ano é para fechar [a faina]. Não nos vão proibir de andar às lampreias, mas a nível de comércio vai estar muito complicado, com os restaurantes fechados e sem feiras gastronómicas".
José Brás, 42 anos, pescador profissional, possui mais três embarcações. Antevê uma época ainda pior do que a de 2020. "No ano passado, suspendemos a 15 ou 20 de março. Os compradores disseram que não compravam mais. Os restaurantes estavam fechados, a quem é que íamos vender? Apanhávamos para meia dúzia de particulares", recorda.
A faina, que por norma se estende até meados de abril, "acabou em março para cerca de 90% dos barcos".
A preço de saldo
Augusto Porto, da Associação de Pesca, lamenta, ainda sem as novas restrições decididas, o cenário deste ano. "Tivemos barcos a ir na passagem de ano e um deles apanhou cinco lampreias nessa noite, aqui na foz. Foi um bom augúrio, mas com a covid, a restauração está fechada e é mais difícil vender". Isto para além do "impacto tremendo a nível do preço", acrescenta ao JN. "Estamos a vender lampreias em Caminha a 20 e a 10 euros. O pescador leva cerca de 17 euros líquidos numa lampreia. Esse era o preço do ano passado... mas no fim da safra", compara.
"Cada vez há mais anos maus"
A construção de barragens e açudes nos rios causa grande impacto nas populações de lampreia-marinha e de outros peixes migratórios. A seca, a poluição e as capturas, também. E "cada vez há mais anos maus" de lampreia. Este é o entendimento de Pedro Raposo de Almeida, ictiólogo, investigador do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e professor no Departamento de Biologia da Universidade de Évora, que estuda a lampreia-marinha há 20 anos. "Na Península Ibérica, a lampreia-marinha perdeu cerca de 80% do seu habitat, por causa de barragens". E uma "passagem de peixes", construída no rio Mondego, em Coimbra, pela APA e monitorizada pela equipa do MARE, que "serve de referencial para o resto do país", permite notar que "há cada vez com mais frequência anos maus de lampreia por causa das secas". "O Minho é dos rios mais importantes para as lampreias, porque tem caudal e uma boa população de larvas", explica.