Demissões de cargos de chefia sucedem-se e vão continuar porque situação é explosiva, diz bastonário dos Médicos. Ministra vai ao Parlamento explicar as dificuldades em Setúbal, mas será confrontada com problemas de todo o país.
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Os enfermeiros apresentaram no último mês mais de mil escusas de responsabilidade em vários hospitais do país por falta de condições para cuidar dos doentes com segurança e qualidade. Só no Hospital de Leiria foram 1106 pedidos, adiantou a Ordem dos Enfermeiros ao JN. Do lado dos médicos, as demissões em bloco dos cargos de chefia sucedem-se desde outubro e, garante quem está no terreno, vão continuar.
Os sinais de alerta vêm de todos os lados porque a situação nos hospitais públicos "é explosiva", garante o bastonário da Ordem dos Médicos (OM). A ministra da Saúde vai esta quarta-feira de manhã ao Parlamento. Marta Temido foi chamada pelo PCP para explicar as dificuldades no Hospital de Setúbal, mas deverá ser confrontada com problemas de todo o país.
Entre os enfermeiros, a gravidade do problema pode medir-se pela quantidade de escusas de responsabilidade que entram na Ordem dos Enfermeiros (OE) por estes dias. "Em Faro, praticamente todas as equipas do Serviço de Urgência apresentaram escusas", afirmou a bastonária Ana Rita Cavaco, adiantando que vai proceder ao levantamento exaustivo destas escusas.
Do Centro Hospitalar de Leiria, adiantou ao JN Ricardo Correia de Matos, presidente da secção regional do centro da OE, chegaram 1106 escusas de responsabilidade no último mês, o que significa que "em quase todos os turnos há vários pedidos". A maior parte estão relacionadas com "défice de pessoal e dinâmicas de serviços", que não permitem garantir qualidade e segurança nos cuidados para doente e enfermeiro. Do Hospital das Caldas da Rainha, tinham chegado, até ontem, 136 escusas e do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra entraram 75 pedidos do principal Serviço de Urgência.
Demissões sucedem-se
Entre os médicos, também tem havido escusas de responsabilidade em várias especialidades, como a Pediatria, Obstetrícia e Cirurgia Geral de diversos hospitais, admite Miguel Guimarães, sem conseguir quantificar porque nem todos os pedidos são endereçados ao bastonário. Também há demissões, como foi o caso do Santa Maria, em Lisboa, que vêm acompanhadas destes pedidos que visam proteger os médicos perante eventuais processos judiciais e disciplinares.
O rastilho das demissões nos hospitais do SNS começou em Setúbal. Seguiram-se Braga, Urgência Metropolitana do Porto e anteontem concretizou-se a ameaça no Santa Maria com a demissão em bloco de todos os chefes de serviço da Urgência. "É tão grave que já nem os porta-aviões escapam", diz o bastonário da OM, certo de que a debandada (400 até maio) vai continuar.
No Algarve, a diretora do Serviço de Pediatria do Hospital de Faro demitiu-se e as carências são gritantes. Em dezembro, dois pediatras vão assegurar 19 noites na Urgência, denunciou a OM.
Castelo Branco, Vila Franca de Xira, Loures, Leiria, Caldas da Rainha. As campainhas têm soado de norte a sul. Demissões, cartas abertas, denúncias de rutura iminente. "São gritos de alerta que se vão multiplicar e reproduzir pelo país fora e não são os sindicatos que estão a estimular isto. São movimentos espontâneos", nota Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional de Médicos.
O problema é transversal: faltam médicos e enfermeiros. O Governo responde que tem contratado milhares de profissionais para o SNS, mas não convence. "Há um problema gravíssimo de recursos humanos e o Ministério continua a dizer que contratou não sei quantos médicos", diz Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos. "Praticamente todos os serviços de todas as instituições devem, em média, 500 horas aos enfermeiros, que não são pagas. Se existem, é porque há carências todos os dias", nota Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros.
Mais de 400 rescindiram desde maio
Mais de 400 médicos abandonaram os hospitais do SNS desde maio, momento em que terminou a proibição imposta durante o estado de emergência a médicos e enfermeiros de rescindirem com o Serviço Nacional de Saúde, noticiou na terça-feira a CNN Portugal, com base em dados da Administração Central do Sistema de Saúde. Naquele número não estão incluídas as aposentações, apenas os casos de quem bateu com a porta para procurar melhores condições de trabalho, no privado ou no estrangeiro.