O estudo sobre as condições de vida e de trabalho dos enfermeiros portugueses revelou que 60% dos profissionais trabalham mais de 40 horas semanais e, destes, 16,3% trabalham 70 ou mais horas.
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"Estamos perante horários de trabalho do século XIX", criticou a coordenadora da investigação, Raquel Varela, no congresso da Ordem dos Enfermeiros, que termina no sábado, no Altice Forum Braga.
"Isto é uma resposta aos baixos salários, porque, um horário de 35 a 40 horas, não lhes permite pagar contas essenciais. A resposta tem sido o aumento permanente de horas extraordinárias, uma dupla ou tripla jornadas", afirmou Raquel Varela, suportando-se no estudo que envolveu 7602 enfermeiros.
O documento conclui que 65% dos profissionais inquiridos sente-se "sempre ou várias vezes por semana fisicamente exausto", 76% queixa-se de "falta de mais intervalos", 71% "não consegue descansar nas folgas" e 97,2% não goza sete dias de férias seguidos num ano. "Os horários de trabalho que encontramos nos enfermeiros só encontram paralelo nos estivadores, antes da pandemia", declarou Raquel Varela, sublinhando que a carga laboral "é incompatível" com a saúde dos enfermeiros.
De acordo com os dados apresentados no congresso por Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, o índice de esgotamento emocional "é elevado". Está nos 3,42 pontos, acima dos dois pontos considerados normais, o que se reflete, também, na realização profissional. "Não há muita gente no nível cinco [o máximo]", apontou o orador, atestando a falta de motivação com outros dados.
Concretamente, 55% dos inquiridos "deseja a reforma antes do tempo", 65% "já pensou mudar de profissão" e 68% admite que "não gostava que o filho fosse enfermeiro".
Duarte Rolo, investigador, alertou para outro "número preocupante" relacionado com as agressões entre colegas. De acordo com o estudo, só 32% dos profissionais garantiu nunca ter sido agredido verbalmente ou fisicamente em contexto laboral, o que denota "alterações nas relações de trabalho". "Os métodos de avaliação separam os trabalhadores. São uma forma de desmoralização e potenciam a concorrência entre colegas", criticou Duarte Rolo, acrescentando "problemas de liderança" nas equipas.
Lúcia Leite, uma das enfermeiras presentes na plateia, admitiu que o estudo "veio revelar o que [sentem] todos os dias". "A sociedade precisa de saber como sofremos", expôs outra participante, ainda durante a sessão. "Não me surpreenderam os resultados. É bom que alguém fora da classe venha dizer o que acontece", acrescentou Sandra Pestana, ao JN, depois das intervenções.
O inquérito sobre as condições da enfermagem em Portugal decorreu há dois anos, em plena pandemia. O trabalho foi desenvolvido pela Universidade Nova, o Instituto Superior Técnico e o Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, a pedido da Ordem dos Enfermeiros.