Cinco sindicatos de enfermeiros convocaram uma greve de cinco dias para o final de abril e início de maio por aumentos salariais e uma convenção coletiva de trabalho. Os profissionais exigem medidas imediatas ao Governo, e alertam que a recuperação do tempo de serviço no SNS não está a ser cumprida conforme lei.
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Esta será a primeira paralisação no Governo da AD (Aliança Democrática) precisamente para mostrar que os enfermeiros devem fazer parte das profissões prioritárias do novo ciclo político. "Este ano a situação da precariedade e da valorização dos enfermeiros tem de ser resolvida”, afirmou Gorete Pimentel, presidente Sindicato Independente de Todos os Enfermeiros Unidos (SITEU), esta sexta-feira, em conferência de imprensa conjunta dos cinco sindicatos do setor, na sede da Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins (FESAP), em Lisboa.
Os profissionais exigem a revisão da tabela salarial nas várias categorias e da carreira, a contratação de mais profissionais e uma negociação de convenções coletivas de trabalho com os outros setores da saúde que, na prática, solucionaria o conjunto reivindicativo da classe. "Esta é uma luta que vai continuar a ser estabelecida e que tem de ter continuidade", sublinhou Carlos Ramalho, presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR). Embora tenha reconhecido movimentações nas negociações, o pré-aviso de greve irá manter-se caso não haja sinais positivos.
O facto de não existir um acordo coletivo de trabalho dos enfermeiros, significa que há enfermeiros a gozar menos dias de férias do que outros colegas, diferindo o tipo de contrato de trabalho ou até da instituição de saúde em que exercem funções, exemplificou Pedro Costa, presidente do Sindicato dos Enfermeitos (SE). Além da estagnação da carreira, o responsável alertou aquele que é o “maior grupo de profissionais de saúde” recebe atualmente pouco mais do que o ordenado mínimo nacional, quase tanto como quem entra agora na profissão, ao mesmo tempo que lhes são exigidas mais horas de trabalho.
Na conferência, os dirigentes do SINDEPOR, do SE, do Sindicato Nacional dos Enfermeiros (SNE), do Sindicato Independente Profissionais Enfermagem (SIPEnf) e do SITEU confirmaram que se irá manter o pré-aviso para os cinco dias de paralisação, e avisaram não arredar pé até verem um "procolo negocial concreto" e "compromissos claros". "O que estamos a exigir ao Governo é que tome medidas imediatas no sentido de diz 'nós queremos valorizar [os enfermeiros]', tal como fizeram com outras carreiras", disse Pedro Costa, presidente do SE.
Reunem com a ministra na próxima semana
Os pré-avisos de greve foram publicados ainda quinta-feira. O primeiro dia de greve está marcado para a região Norte, a 26 de abril, última sexta-feira do mês. Nos Açores está agendada greve para o dia 29 de abril, e no dia a seguir, 30 de abril, na Madeira. Já no próximo mês, dia 2 de maio é a vez de pararem os profissionais da região centro e no dia 3 da região Sul. Haverá exceção para os enfermeiros dos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO), em Lisboa, Porto e Coimbra, devido à natureza dos doentes, explicaram os responsáveis.
O gabinete da nova ministra da Saúde, Ana Paula Martins, já fez saber às estruturas sindicais, quinta-feira à noite, que faz intenções de ouvir os enfermeiros durante a próxima semana. Durante a manhã desta sexta-feira, os cinco sindicatos também já reuniram com o setor privado - neste caso, com a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) -, de que aguardam ainda hoje uma resposta. Sem avançar concretamente o que foi discutido, Emanuel Boieiro, presidente do SNE, deixou claro que a "linha dos aumentos salariais é essencial" para existir diálogo. Exigem, por isso, uma revisão da tabela salarial em todas as categorias, ou seja, não só na de enfermeiro especialista, como também de enfermeiro e enfermeiro gestor.
Os profissionais manifestaram ainda preocupados com o plano de emergência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que no primeiro debate do Governo na Assembleia da República, na quinta-feira, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou ser apresentado em 60 dias, ou seja, até ao início de junho. Por outro lado, criticam o facto de não verem a palavra enfermeiros "em lado nenhum" nas propostas do novo Executivo." Se não falarmos dos enfermeiros não haverá reformas do SNS", afirmou Pedro Costa.
"Sabemos que não é em 60 dias que se vão resolver nove anos de estagnação, nove anos de inação e nove anos em que nada foi feito para melhorar as condições de trabalho dos enfermeiros", corroborou Emanuel Boieiro.
Os cinco dias de greve foram convocados depois de recentemente, em março, os cinco sindicatos uniram-se em "compromisso pela enfermagem" e redigirem um memorando de entendimento com reivindicações conjuntas, entregue ao bastonário da Ordem dos Enfermeiros, ao Ministério da Saúde e ao presidente da República. Um sinal de força dos enfermeiros que querem negociar melhores condições de trabalho com o Governo.
Desigualdades na contagem do tempo de serviço
Entre os vários os que afetam os enfermeiros, Fernando Parreira, presidente do SIPEnf, alertou ainda que as Unidades Locais de Saúde (ULS) estão a aplicar a contagem do tempo de serviço "à sua maneira". Para o profissional, é imperativo que se corrijam "todas as injustiças" que criam situações de desigualdade entre os profissionais do SNS em regime de funções públicas e a contrato individual de trabalho. “Nós não queremos uma lei, a lei já existe, é preciso que se cumpra e que todas as instituições o façam da mesma forma", afirmou, considerando que a situação está a "criar um conflito" entre enfermeiros dos setores público e privado.
As regras, aprovadas ainda em 2022, fixam uma contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão de carreira, seja qual for o vínculo, mas segundo o sindicalista, na prática, não é isso que se tem verificado. "A senhora ministra da Saúde tem de ter uma palavra, mas uma palavra assertiva nesta situação de forma a que os enfermeiros sejam tratados todos da mesma forma em todo o Serviço Nacional de Saúde", resumiu.
Segundo Gorete Pimentel, a depesa com a recuperação do tempo dos enfermeiros estava orçamentada em 63 milhões de euros, dos quais já foram executados cerca de 43 milhões. A restante verba está ainda por dever aos profissionais. A enfermeira esclareceu ainda que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) tem emitido considerações e propostas de forma a resolver o problema, no entanto "as administrações podem interpretá-las como quiserem". Questionados como é que esta situação poderia ser resolvida, os responsáveis sindicais explicaram que bastaria um abaixo-assinado da ministra da Saúde que torna-se claro às administrações das instituições de saúde que a lei em vigor é para cumpror.
A presidente SITEU alertou também que ao contrário das outras carreiras da administração pública, os enfermeiros não veem o seu tempo de profissão a ser considerado quando, por alguma razão, têm de mudar de contrato de trabalho ou trabalhar noutra região. "Reiniciam o seu tempo de serviço e o seu nível salarial no primeiro nível remuneratório, mesmo que tenham 20 ou 30 anos de profissão".
Perante o cenário de descontentamento, os sindicalistas apontaram ainda que são vários os jovens da classe que continuam a emigrar. Mas há também profissionais com vários anos de carreira a abandonar a enfermagem por outras profissiões quando serão necessários cada vez mais enfermeiros para responder às necessidades de uma população envelhecida.
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) ficam de fora da greve. No entanto, Carlos Ramalho sublinhou que apesar de as maiores estruturas sindicais não participarem não implica que a paralisação não venha a ter adesão. Pelo contrário, uma vez que os cinco sindicatos representam "a maioria" dos enfermeiros, resumiu. Ao Expresso, Guadalupe Simões, dirigente nacional do SEP, disse que não foram “nem convidados nem avisados de uma eventual reunião” entre sindicatos.