Érica, com sete anos, tem dificuldade em acompanhar as lições, porque a rede está sempre a falhar.
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"Difícil". É desta forma que Erica, sete anos, descreve a primeira semana de aulas à distância, a partir da aldeia de Casal, na zona serrana de Águeda. A fibra parou a cerca de 1,2 quilómetros da casa da família e as aulas online, quando chegam, mal se percebem.
"No quarto e no resto da casa não dá", explica a criança. E mesmo na sala, à janela, com o pai, Hugo Ferreira, a esticar o braço, para o router apanhar alguma rede, "a imagem está sempre a parar e não se percebem as palavras da professora".
Nesta segunda-feira, Érica não conseguiu ver nem o powerpoint de matemática que a professora usou para ensinar os colegas. Como não conseguiu ver a docente ou os amigos. "A imagem pára e as palavras mal se percebem", insiste a criança. Seguiu-se, como em muitos outros dias, o tradicional telefone do pai à professora, que se tem esforçado por lhes fazer chegar o material por e-mail.
Há momentos de desespero. No ano letivo passado, não raras vezes, Hugo pegou em Érica e no portátil e percorreu o derradeiro quilómetro para aproveitar o "hot spot" da junta de freguesia de Préstimo e Macieira de Alcôba, só para que a filha pudesse assistir à aula. Ontem, esteve quase para repetir o percurso.
Pelo caminho também ficam as aulas ballet, um "sonho" que Érica tanto pediu aos pais. "Ligamos e a imagem não anda. Na quarta-feira desistimos", conta Érica, que ficou sem saber os novos passos de dança.
Por causa da dificuldade em apanhar Internet, a irmã, Lara, de quatro anos, não consegue ouvir as histórias infantis que o pai procura no YouTube. Era uma forma de lhe dar um pouco do sentimento de normalidade que a pandemia lhes roubou. "Um vídeo de cinco minutos demora mais de 15. A Lara nem consegue seguir a história", lamenta Hugo, empregado de armazém, que desde janeiro tem ficado em casa com as crianças.
Uma semana depois do ano começar, um aluno da escola de Érica adoeceu com covid-19 e a turma ficou toda de quarentena. Pouco tempo depois, veio o confinamento geral.
Os esforços para contrariar as dificuldades de velocidade de Internet têm-se revelado infrutíferos. A família procurou um serviço adicional, que lhes soma mais 47 euros ao pacote inicial. Ao todo, pela televisão e Internet, pagam cerca de 120 euros por mês, "quase uma renda", conta o pai.
Mas nem assim resolveram o problema. "Queremos dar condições aos nossos filhos e não conseguimos. Estamos mais limitados e desfavorecidos durante a pandemia por vivermos numa zona serrana", lamenta.
Na aldeia de Casal há 14 crianças em idade escolar. "Precisamos que a fibra percorra a distância que falta", acrescenta Hugo, num pedido às operadoras de telecomunicações. Para que Érica tenha aulas e aprenda ballet. E para que à Lara não faltem histórias de encantar.