Como quatro portugueses na costa leste dos EUA vivem as eleições legislativas em Portugal, com o coração perto da terra e a política ao longe.
Corpo do artigo
No café da Tia Maria, em New Bedford, EUA, o som do "Bailinho da Madeira" escapa por entre a porta entreaberta logo pela manhã. Lá dentro, há o cheiro do café forte e das torradas com manteiga derretida, as vozes misturadas em português e inglês, e o murmúrio de uma televisão ligada num canal de Portugal. É dia de eleições em Portugal — é mais um domingo como os outros, e, ao mesmo tempo, não é.
Maria Leite, 27 anos, nascida nos EUA, de família madeirense, bebe o seu galão distraída. “Sinceramente, não são umas eleições muito importantes. Vão ganhar os mesmos,” diz, encolhendo os ombros. Gostava que o Bloco de Esquerda ganhasse, mas diz isso com uma leveza quase melancólica. “Ninguém me ensinou a votar em Portugal. Aprendi mais aqui”. Fala inglês com sotaque americano e português com sotaque de casa. Cresceu entre dois mundos e hoje vive entre as redes sociais e os ecos da ilha que só conhece das férias. No café, ouve-se mais inglês do que português — mas, quando toca o "Bailinho", há sempre alguém que bate o pé no chão.
Gabriela Silva, 75 anos, é de Santa Maria, ilha dos Açores. Chegou à América em 1974, um mês depois da Revolução. Tinha 25 anos. “Deixei lá a minha mãe, o meu pai, a minha irmã. A minha vida foi aqui,” diz com uma serenidade antiga. Nunca voltou para trabalhar. “Nunca trabalhei lá. Aqui foi sempre trabalhar.” O marido era bombeiro no aeroporto de Ponta Delgada. Ela chegou sem saber uma palavra de inglês. Tinha a quarta classe. Era socialista naquela altura, em 1975, mas agora já não se considera nada política. “Aprendi a ouvir os outros.” E isso basta. Fala devagar, com as mãos pousadas no colo. Cada frase parece puxar uma memória — não tanto da política, mas da vida.
No Portugalia Market Place, em Fall River, Michael Benavides, 47 anos, está a trabalhar com esforço. “Nasci nos Açores, mas a minha criação foi cá”. Diz que não acompanha as eleições em Portugal há mais de duas semanas. “Portugal é muito diferente dos EUA, mais socialista. Aqui vive-se para trabalhar.” É cético com os partidos. “Chega é um partido como o Trump. Alarmista foram as Tarifas de 25% com 10% de benefício para o consumidor final. Mas eu não sei o suficiente”. Fala do sistema americano com a lucidez de quem o viveu por dentro: “Muito suor. Testemunha do capitalismo. Visto com maus olhos, mas é o que temos.” Nas pausas do trabalho, recebe norte-americanos que foram de férias a Portugal e querem saber onde comprar queijo São Jorge ou vinho verde online. “Cresceu muito o interesse. Portugal está na moda, mas é outro Portugal.”
Na sala de conferências do Portugalia Marketplace, em New Bedford, Fernando Benevides, 70 anos, observa as notícias num canal português de TV. Fundador do mercado, empresário respeitado, acompanha os debates com atenção. “Quero que o PSD ganhe com 50%, para haver estabilidade. No meu entender, o Montenegro era um bom primeiro-ministro”. Admite que não votou. “Ia para São Miguel ver o meu Sporting ser campeão. Já éramos campeões em janeiro se o [Ruben] Amorim não tivesse ido embora.” Fala com franqueza. “Não encontro melhor do que o Montenegro. E gostava que o Chega ficasse em segundo”. Não confia nos socialistas. “Nos EUA, democratas e socialistas são farinha do mesmo saco. Querem tirar a quem tem para dar a quem não tem. Vão trabalhar, malandros!”. Tem opiniões fortes, mas também uma ética firme: “Ajudamos os velhinhos, os deficientes — temos responsabilidade. Mas agora os jovens…”. Suspira. “O [Ronald] Reagan foi o melhor presidente. Pôs a malandragem a trabalhar. Se os pais são malandros, os filhos são malandros”.
Nas ruas entre New Bedford e Fall River, há bandeiras portuguesas penduradas em varandas, santos no vidro dos carros, anúncios de chouriços caseiros e promoções de pastéis de nata. A política chega com o tempo e vai-se com o trabalho. Uns seguem pela televisão, outros ignoram. Mas todos têm uma opinião — mesmo que digam que não.
O dia das eleições passa sem filas à porta, sem debates no meio da rua, sem calor nem temor. Mas nos cafés, nas garagens, nas empresas familiares, a conversa acontece. Mistura-se com o cheiro do bacalhau no forno, com os jogos da bola, com os dilemas da vida entre dois países.
E mesmo quem diz que já não vota, que não segue, que não acredita — está a falar de Portugal. Está a dizer: ainda me importa. Ainda que de longe. Ainda que em silêncio.
Porque entre Fall River e Lisboa, entre New Bedford e São Miguel, entre urnas e saudades, vai-se vivendo assim: com um pé cá, outro lá. E o coração, como sempre, dividido entre dois lugares que são casa.