Neste Dia Internacional da Epilepsia, a neurologista e presidente da Delegação Centro da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia (LPCE), Rute Teotónio, relembra que a maior parte dos doentes tem as suas crises controladas, sendo capaz de fazer uma vida totalmente normal sem grandes limitações. Ainda assim, o estigma social persiste e há quem prefira não assumir a doença no local de trabalho.
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"É importante dar-lhes as mesmas oportunidades e não criar barreiras. Mais limitante [do que a doença] é o estigma que estas pessoas enfrentam, fruto da atitude que a sociedade tem e também os próprios empregadores", alertou Rute Teotónio, em declarações ao JN, a propósito do Dia Internacional da Epilepsia.
Em Portugal, estima-se que existam 50 a 60 mil pessoas diagnosticadas com a doença, mas "não existe só uma epilepsia", apontou a especialista. "Cerca de 60 a 70% dos doentes têm crises generalizadas, controladas sob terapêutica farmacológica e conseguem viver uma vida perfeitamente normal. Não há nenhuma incapacidade intelectual ou motora que condicione estas pessoas".
Apesar disso, há doentes que não partilham o diagnóstico no local de trabalho com receio de serem alvos de preconceito. "Sabem que as pessoas ou os próprios empregadores vão olhar para si de forma incorreta porque há esta ideia de que as pessoas com epilepsia têm uma deficiência intelectual ou até que são malucos", alertou a neurologista.
Rute Teotónio atenta que estas são "ideias enraizadas" em torno da doença, estando por isso ainda atualmente muito presentes e que "a literacia não tem sido suficiente para as desconstruir". É nesse combate que a LPCE entra em ação, nomeadamente nas escolas, onde desenvolvem projetos para formar não só os professores, como também os assistentes operacionais, secretariado e pessoal não docente. "É preciso para saber o que fazer e como atuar caso alguma criança tenha uma crise. E é preciso chegar à criança que ainda tem uma tábua rasa, digamos, para que numa próxima geração não tenham estes estigmas em relação à doença".
O restante um terço dos doentes sofrem epilepsias refratárias, "um tipo de difícil controlo, cujas crises não conseguem ser tratadas com medicamentos, e que surgem com outras patologias associadas, psiquiátricas ou motoras", explica Rute Teotónio.
Embora a maioria dos casos sejam tratados com um único medicamento antiepilético, adequado a cada pessoa, não significando, por isso, uma redução da esperança média de vida expressiva, são os doentes com convulsões mais persistentes que apresentam uma maior mortalidade. "Infelizmente, sabemos que alguns doentes podem ter um risco acrescido de morte súbita, mas atualmente esse risco é maior nos doentes que não estão controlados, que têm crises frequentes, especialmente noturnas".
Desafio "50 milhões de passos contra o estigma"
Todos os anos, na segunda segunda-feira do mês de fevereiro, assinala-se o Dia Internacional da Epilepsia com o objetivo de sensibilizar para a doença neurológica. Para celebrar o dia, a LPCE juntou-se à campanha com o mote "50 milhões de passos contra o estigma", em que cada passo simboliza uma pessoa com epilepsia no mundo. No caso da Delegação do Centro da LPCE, o desafio é feito nas redes sociais para que sejam enviadas fotografias com uma peça de roupa roxa (a cor que simboliza a doença), a andar ou a correr para assinalar o apoio a esta iniciativa, partilhou Rute Teotónio. Para a neurologista, "o mais importante é que [os doentes] consigam ter uma vida o mais normal possível, sem o receio que pode condicionar os seus desejos e objetivos de vida", resume.
Não há grandes limitações, principalmente se a doença estiver controlada
À LPCE chegam recorrentemente preocupações de pais cujos filhos foram diagnosticados com epilepsia. "Não é fácil receber um diagnóstico, ainda mais na adolescência em que queremos ser iguais aos nossos pares. Há pais a partilhar que os filhos têm dificuldade em aceitar a sua condição médica", afirma, aconselhando que estes jovens recebam apoio psiquiátrico, procurando ser acompanhados também por neuropediatras.
Apoios que sublinha serem também importantes para responder aos receios dos próprios pais ou familiares. "É natural que os pais acabem por ter uma atitude super-protetora porque pensam que os filhos não podem fazer desporto, ir a uma discoteca e até mesmo beber uma bebida alcoólica moderadamente. Isto faz com que estes jovens se sintam diferentes dos amigos. É preciso explicar que não é assim, não há grandes limitações, principalmente se a doença estiver controlada".
A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais frequentes e afeta 1% da população mundial. A doença caracteriza-se pela ocorrência de crises epiléticas recorrentes, de forma súbita e imprevisível, que se devem a descargas anormais das células cerebrais. Estas crises são habitualmente de curta duração e manifestam-se com características diferentes de pessoa para pessoa.