Águas residuais de cinco ETAR nos grandes centros urbanos e efluentes de três hospitais principais estão a ser monitorizadas.
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Os esgotos de cerca de dois milhões de portugueses estão a ser monitorizados para detetar precocemente a presença do novo coronavírus e antecipar uma nova vaga da doença. O projeto de investigação COVIDETECT, coordenado pela Águas de Portugal e lançado em abril, já está a analisar as águas residuais de cinco ETAR nos grandes centros urbanos e os efluentes de três hospitais principais. O objetivo é, num futuro próximo, usar uma ferramenta digital para dar informação em tempo real às autoridades de saúde.
Neste momento, estão a ser monitorizadas as ETAR de Alcântara, Beirolas, Guia, Gaia Litoral e Serzedelo II. "Localizam-se nos grandes centros urbanos de Lisboa, Cascais, Gaia e Guimarães, abrangendo as regiões com maior número de casos de covid-19", explicou ao JN o engenheiro Nuno Brôco, do Grupo Águas de Portugal, que acrescenta que estas ETAR servem aproximadamente 20% da população nacional. Ao mesmo tempo, está também a ser monitorizada a circulação do vírus nas redes de drenagem dos efluentes do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, do Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, e do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, havendo possibilidade de ser alargado.
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Perceber antes dos sintomas
As águas residuais estão a ser recolhidas à entrada e à saída das estações de tratamento, no primeiro caso diariamente e no segundo semanalmente. O potencial deste projeto, garante o engenheiro, é "muito útil". "Já era sabido que o vírus era excretado pelas fezes, não era novidade a sua presença nas águas residuais", independentemente de os indivíduos infetados terem sintomas ou não. Mas o objetivo da investigação não é "pura e simplesmente quantificar a presença de material genético do vírus nos esgotos".
"É uma excelente janela de oportunidade para se obter informação sobre a circulação do vírus na comunidade. Acresce que os indivíduos infetados excretam o vírus vários dias antes do aparecimento de sintomas, pelo que esta ferramenta de alerta precoce poderá contribuir de forma determinante para a implementação atempada de medidas de saúde pública preventivas nas áreas geográficas em estudo", diz Nuno Brôco. Em Espanha, foram encontrados vestígios do novo coronavírus numa amostra de águas residuais de Barcelona, nove meses antes de a covid-19 surgir na China.
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Agora, o grupo de investigação vai estabelecer uma relação entre a carga viral detetada nas amostras recolhidas nas ETAR e a população que é servida. "Estamos a trabalhar dados de pessoas infetadas em cada uma das áreas". No final de 2020, já deverá haver resultados e segue-se a próxima etapa. "Iremos tirar partido de ferramentas digitais que já temos implementadas para reporte diário dos valores observados de carga viral nestas instalações", disse.
Quem participa?
O projeto COVIDETEC é um projeto coordenado pela Águas de Portugal e que inclui a Faculdade de Ciências e o Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, as empresas Águas do Tejo Atlântico, Águas do Norte e SIMDOURO. A DGS, a EPAL, a Águas do Douro e Paiva, a APA e a ERSAR também integram.
17 países envolvidos
O consórcio COVIDETECT integra um estudo europeu, da Comissão Europeia, que envolve 90 ETAR e 17 países. Os países estão a partilhar experiências. Em Portugal, o projeto foi lançado em abril e tem a duração de um ano. O ministro do Ambiente disse no passado que o objetivo é "prevenir futuras pandemias".
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Holanda foi pioneira
No início de março, a Holanda foi o primeiro país a detetar a presença do SARS-CoV-2 em esgotos, o que despertou o interesse da comunidade científica, que passou a olhar para as ETAR como sistema de deteção precoce. Segundo a revista científica Nature já foram encontrados vestígios do vírus também nos Estados Unidos da América e na Suécia.
Não será infeccioso
Todas as evidências científicas até à data sugerem que o vírus nas águas residuais não está ativo, logo não tem capacidade infecciosa, pelo que não haverá risco de transmissão em sistemas de saneamento.