
Barragem do Cedilho, a 22 do mês passado, quando o país vizinho incumpriu caudais mínimos
Paulo Novais/Lusa
Espanha está prestes a reunir as condições para ver declarada a condição de exceção prevista na Convenção de Albufeira e que a desobriga de libertar caudais mínimos semanais na bacia do Tejo.
A confirmação só chegará a 1 de dezembro, mas tudo indica que os valores de precipitação vão ficar abaixo do patamar a partir do qual deixa de existir incumprimento caso não sejam enviados os caudais estabelecidos.
Nas duas últimas semanas de outubro, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Espanha enviou, no total, menos um milhão de metros cúbicos (m3) do que o acordado. Na semana de 14 a 20, foi enviado um caudal de 6,250 milhões de m3. E na semana de 21 a 27, 6,750 milhões m3, quando a Convenção define um caudal semanal mínimo de 7 milhões de m3 (ou sete hectómetros cúbicos).
Ao JN, a APA fez saber que no "primeiro trimestre do ano hidrológico 2019/2020 [que se inicia a 1 de outubro], os dados relativos aos caudais afluentes à albufeira do Fratel, obtidos em tempo real, parecem indicar um déficit do valor semanal". O que não significa, frisa a APA , que Espanha tenha entrado em incumprimento na medida em que a Convenção prevê condições de exceção.
Que, fica-se agora a saber, poderão estar na iminência de ser declaradas. Isto porque, explica a APA em resposta enviada por escrito ao JN, "se os valores de precipitação forem 60% da média do período de referência para o primeiro trimestre [ler ao lado], não há lugar a incumprimento". Sendo que "tal é passível de ocorrer pois os valores de precipitação verificados até agora correspondem já a cerca de 52%". No entanto, sublinham, "só a 1 de dezembro é que, efetivamente, se efetivarão estes dados para uma inequívoca conclusão".
Sem mínimos, o que se segue?
Para o especialista em recursos hídricos Rui Cortes, fica claro que Espanha entra em regime de exceção, pondo a nu aquilo que diz ser um "buraco negro da Convenção". É que sendo declarada a situação de exceção, "Espanha não tem de cumprir coisíssima nenhuma", avisa o professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Recorde-se, porém, que no ano hidrológico de 2016/17, apesar de Espanha ter visto declarada exceção no Douro para os caudais trimestrais e semanais, cumpriu sempre os mínimos definidos.
Um cenário que poderá dificultar as negociações de Portugal com Espanha, sabendo-se que o ministro do Ambiente quer acordar caudais mínimos diários, mas também um maior volume de caudal. O Ministério para a Transição Ecológica espanhol, por sua vez, tem-se escusado a responder às questões colocadas pelo JN, justificando-se com a organização da COP 25 (Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas), que decorre, em dezembro, em Madrid.
Conferência que poderia servir de mote às negociações da Convenção, na medida em que, "num cenário de alterações climáticas, as secas tornam-se mais frequentes", avisa Rui Cortes. Sendo que, em situação de seca prolongada, como a que afeta o Tejo, os caudais ficam mais desprotegidos.
O que diz a convenção
Caudal anual
A Convenção de Albufeira define um caudal anual para a bacia do Tejo de 2700 hectómetros cúbicos. É declarada condição de exceção se "a precipitação de referência acumulada na bacia desde o início do ano hidrológico (1 de outubro) até 1 de abril for inferior a 60 % da precipitação média acumulada da bacia no mesmo período".
Caudal trimestral
É declarada exceção se "a precipitação de referência acumulada num período de seis meses até ao dia 1 do 3.ºº mês do trimestre seja inferior a 60 % da precipitação média acumulada na bacia no mesmo período".
Anos em que foi declarada
A condição de exceção anual foi declarada três vezes desde que foi implementada a Convenção, nos anos hidrológicos 2011/12, 2016/17 e 2017/18.
Números
Défice de 1hm3 em duas semanas
De acordo com os dados da Agência Portuguesa do Ambiente e do Movimento pelo Tejo, no total das semanas de outubro de 14 a 20 e 21 a 27 registou-se um défice de caudal de 1 hectómetro cúbico (hm3).
Transvase no Tejo totaliza 313,6 hm3
No último ano hidrológico, Espanha aprovou, no total, o transvase de 316,6 hectómetros cúbicos através do aqueduto Tejo-Segura. Para o mês passado, foram aprovados 19,2 hm3.
